Dossiê Geraldo Vietri
Tiradentes, O Mártir da Independência
Ao menos três vezes durante o filme, o jovem Joaquim José da Silva Xavier interrompe imediatamente o que está fazendo para libertar pássaros enjaulados. Na mais triunfal dessas ocorrências, o diretor Geraldo Vietri enquadra um céu esplendorosamente azul, que abriga toda a liberdade recém-conquistada pelas aves, enquanto o menino Tiradentes, sem qualquer mostra de constrangimento, brada “Viva a Liberdade!”. Em todos os cento e cinco minutos do longa de 1977, o condutor da inconfidência mineira não possui uma mácula sequer no caráter.
Seja por expressar a admiração do diretor pela lenda, seja para respeitar a identidade bibliográfica que serviu de base ao filme, o Tiradentes de Vietri rivalizaria com o próprio São Francisco de Assis no ofício de ser gente boa. Toda a sua bem aventurança é inteiramente contraposta pela índole vil dos outros personagens principais, que, com esperanças de se salvarem da forca, não tardam em se voltar, em grupo, contra Tiradentes. A vida do inconfidente é explorada de forma lacônica: o garoto que tem como hobby libertar aves se transmuta direto no alferes austero com aspirações anarquistas.
O filme ainda encontra algumas saídas cômicas, como os escravos que fogem dos equipamentos odontológicos assustadores empunhados por Joaquim José (o verdadeiro nome de Tiradentes) e seu tio, mesmo que isso signifique conviver com dores lancinantes de longo prazo. Joaquim José nutre especial apreço pelos escravos, e Vietri se empolga justamente nessas generosidades, como na cena em que o revolucionário recusa sexualmente uma escrava que quer lhe retribuir um favor.
Logo, Tiradentes, O Mártir da Independência parece ter, como único motivo de existência, a canonização de Joaquim José. Mesmo com toda essa adoração, um dos méritos do filme é ainda encontrar espaço para incluir o contexto histórico. Dedica especial atenção ao desprezo português em relação aos latino-americanos, explicitado sem subterfúgios pelos europeus. Ainda sim, a abordagem essencialmente chapa-branca incomoda, remetendo a “clássicos” bíblicos modorrentos, como Rei dos Reis, de Nicholas Ray. Lançado no auge da repressão militar, Tiradentes pode ter sido uma tentativa de contribuição de Vietri para impingir fé aos combalidos brasileiros.
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