Em resumo, a presidenta Dilma puxou as orelhas
de Washington tanto quanto era possível sem causar uma crise diplomática. Ainda
mais incisivo que o apoio explícito ao Estado Palestino e à sua admissão nas
Nações Unidas – “lamento não poder saudar, desta tribuna, o ingresso pleno da
Palestina na ONU, é chegado o momento de a termos aqui representada” – foi a
condenação explícita às guerras promovidas pelos Estados Unidos no Oriente
Médio.
“O mundo sofre, hoje, as dolorosas
conseqüências de intervenções que agravaram os conflitos, possibilitando
a infiltração do terrorismo onde ele não existia; inaugurando novos ciclos de
violência; multiplicando os números de vítimas civis. Muito se fala sobre a
responsabilidade de proteger; pouco se fala sobre a responsabilidade ao
proteger”. O plural se refere tanto a Bush júnior no Iraque, quanto Barack Obama
na Líbia, igualmente irresponsáveis.
No que se refere à política econômica, os
países ricos receberam broncas mais ou menos por igual: “Esta crise é séria
demais para que seja administrada apenas por uns poucos países… Não é por falta
de recursos financeiros que os líderes dos países desenvolvidos ainda não
encontraram uma solução para a crise. É permitam-me dizer, por falta de recursos
políticos e de clareza de ideias”. São os BRICS mandando o G-7 fazer a lição de
casa.
A referência aos 18 anos das negociações sem
resultados para a reforma do Conselho de Segurança foi outra discreta lambada
nos países do Norte. Mas não exageremos sua importância, como fazem análises
superficiais que, sem terem conhecimento do contexto, interpretam cada tomada de
posição do Brasil como se esse fosse o objetivo máximo, ou único, de sua
política externa.
No conjunto, a fala reafirmou a essência da
política externa dos anos de Lula e Celso Amorim , talvez até de forma um pouco
mais incisiva. Pode-se notar também menos ênfase no combate à pobreza (sem
deixar de mencioná-la) e um discurso mais explícito em relação aos direitos
humanos, mas do ponto de vista de “presidenta de um país emergente” e, como
disse no fechamento, de “mulher que sofreu tortura no cárcere”. Condenou “as
repressões brutais”, mas sem endossar as “intervenções que agravaram os
conflitos” e “sem retirar dos cidadãos a condução do processo”.
O discurso de Barack Obama, que a seguiu, foi
comparativamente anódino e provinciano, dirigido mais ao eleitorado dos EUA e a
Israel do que ao mundo, sem o menor receio de expor contradições óbvias para
todo o resto do planeta, como condenar as “tiranias” enquanto se mantém
solidamente alinhado a regimes repressivos como os da Arábia Saudita, Iêmen e
Bahrein. “Foi enterrada a ideia de que a mudança só virá com violência”,
afirmou, e isso enquanto move três guerras simultâneas. Teve seu momento mais
hipócrita ao dizer que “celebramos a coragem de um Presidente da Colômbia que
voluntariamente deixou o governo”, depois que Álvaro Uribe subornou
parlamentares para tornar possível sua primeira reeleição e só desistiu da
segunda quando a Corte Constitucional de seu país a declarou ilegal.
Obama, sem lembrar seu discurso de há um ano no
qual disse esperar que a Palestina estivesse presente como integrante já nesta
Assembleia, insistiu em que ela precisa negociar e pedir licença a Israel para
buscar sua independência – como se os EUA tivessem pedido permissão aos
ingleses.
Dilma, na sua vez, disse que “apenas uma
Palestina livre e soberana poderá atender aos legítimos anseios de Israel por
paz com seus vizinhos”. Outro exemplo de como esta abertura da Assembleia Geral
em 2011 expôs a fenda crescente entre os países emergentes em ascensão e o grupo
dos países desenvolvidos que luta por preservar privilégios e relações de poder
que já se tornaram anacrônicas, como se o mundo nada tivesse mudado desde
1948.
O Esquerdopata
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