Tente se imaginar em Jerusalém, na sexta-feira antes do meio do
primeiro mês lunar dos judeus no ano 33 da nossa era. O líder judeu de
um movimento morrera crucificado, a mais degradante execução que poderia
ser imposta pelo Império Romano, entidade política dominante na região.
Dentre os poucos que se mantiveram seus seguidores até aquele momento
de perseguição, alguns contavam com ele para restaurar a independência
de Israel, tornar-se rei dos judeus e reformar o judaísmo,
devolvendo-lhe seu caráter distinto das religiões pagãs de todos os
outros povos. Os líderes desse pequeno grupo eram, naquele momento, 11
homens. Nenhum deles gozava qualquer tipo de poder nem entre seus
próprios compatriotas judeus, muito menos no Império Romano.
Desse cenário de derrota, o cristianismo evoluiu para ser a maior
religião do mundo em número de praticantes. É a principal religião da Europa, das Américas, da Oceania, tem fortíssima presença na África e existe em quase todos os países da Ásia.
Para os adeptos do cristianismo, não é difícil explicar como isso se
deu. Desde o início, Jesus foi visto pela Igreja nascente como a
encarnação de Deus na Terra. Foi, pois, graças ao poder e à vontade de
Deus que essa seita derrotada da obscura Palestina do século I tornou-se
a maior força civilizatória que a humanidade conheceu. Para quem quer
se ater às explicações que prescindam de qualquer dado sobrenatural, a
tarefa é muito mais complicada.
Um livro publicado neste ano lança uma hipótese. Em And man created God (E o homem criou Deus), ainda não lançado no Brasil,
Selina O’Grady, uma documentarista da TV britânica, analisa como o
cristianismo beneficiou o Império Romano – e como o Império Romano
beneficiou o cristianismo. No livro, O’Grady desenvolve a tese de que o
cristianismo se tornou a primeira religião universal por ter servido de
base ideológica para um império, até então o mais amplo de todos. Desse
amálgama de interesses, o cristianismo, por ter durado mais tempo, foi o
maior beneficiário. Mas seu auge também já passou e, segundo O’Grady,
estamos hoje numa era pós-religiosa, em que o secularismo o substituiu
como “solução política para os sérios problemas de um mundo cada vez
mais multicultural”.
Em seu livro, que a revista britânica The Economist classificou como “guia do cristianismo para ateus”, O’Grady analisa como diversos impérios – em Roma, na Pérsia, na Índia e na China
– usaram, mais ou menos no tempo de Jesus, religiões para se expandir e
foram usados por elas. O que mais interessa a O’Grady é a situação do
Império Romano na época de Augusto, o primeiro imperador. Por volta do
ano zero de nossa época, Roma, sob o domínio de Augusto, deixava de ser
uma potência que tinha na expansão pelo uso da força sua principal razão
de ser. Para Augusto, diz O’Grady, o objetivo era dar estabilidade a
todo o território conquistado, levando os integrantes de todos os povos
dominados a “adquirir um sentido de ‘romanidade’”. “Como sempre”,
escreve O’Grady, “na tentativa de criar um Estado estável, era
necessário mais a persuasão do que a força. As pessoas tinham de querer
pertencer à nova e mais ampla entidade do Império.”
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