Brasília
– A Mídia Ninja estava lá, assim como a imprensa tradicional. Médicos e
dentistas contrários ao programa ‘Mais Médicos’, do governo, também
marcaram presença. Médicos brasileiros formados em Cuba aguardando a
realização do Revalida (exame que autoriza a validação do diploma deles
no país) foram levar sua solidariedade. Mais um sem número de
manifestantes da União Nacional de Estudantes (UNE), União socialista,
Conselho da Juventude do Distrito Federal, servidores da saúde do
Ministério da Justiça e uma comitiva do PT compareceu ao local com
faixas e cartazes de boas vindas. Todo esse grupo passou, do final da
tarde até as 20h40, reunido em frente ao portão de desembarque do
Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, para receber os 176 médicos cubanos na capital do país.
Quando os cubanos apareceram, nem parecia uma missão
internacional de saúde entrando no país e sim, a chegada de
celebridades. De início, a médica Yasiel Perez, escolhida pelos colegas
para ser a primeira a desembarcar – por ser a mais jovem e pela aparente
desinibição – surgiu no saguão acenando e mostrando bandeiras do Brasil
e de Cuba. Perez recebeu flores e uma chuva de serpentinas douradas em
nome de todos os profissionais. Em seguida, cinco dos médicos que
integram o grupo foram até um local específico do saguão para conceder
entrevistas e falar com a população. O programado era que, depois disso,
todos saíssem direto para os ônibus reservados pelo Exército. Não foi o
que aconteceu.
Portando flâmulas com bandeirinhas dos dois países e
cumprimentando a população, os cubanos não resistiram aos apelos das
pessoas que estavam no aeroporto. Resultado: pararam para tirar fotos,
apertar mãos, conversar com quem os chamasse e até dar abraços.
Emocionados, muitos choraram. E o movimento no aeroporto, que começou a
tomar corpo a partir das 19h, aos poucos ganhou a adesão de cidadãos que
foram ao local por outros motivos e resolveram se reunir às
proximidades, para protestar ou dar boas vindas aos cubanos. Espalhado
pelas diversas alas com objetivos diferentes, o número parecia pequeno,
mas segundo estimativas de policiais presentes, reuniu mais de 300
pessoas.
O clima, em sua maior parte de tranquilidade, só
ameaçou ficar pesado com a chegada de professores que, empunhando faixas
e cartazes, começaram a reclamar das palavras de boas vindas e a chamar
o programa de “palhaçada”. Os gritos que motivaram as queixas foram de
“Cubano amigo, Brasil está Contigo” e até uma versão ensaiada do velho
“Olê Olá, Lula” para “Olé, Olá, Cuba”, levantada pelo PT.
Respeito
Durante a entrevista, a importância da parceria foi externada à
exaustão, mas com um claro recado por parte dos cubanos: “Viemos para
trabalhar e nos esforçar. Vamos tratar a todos com muito respeito, mas
também queremos respeito”, afirmou a médica Yasiel Perez. Outro médico,
Oscar Martinez, chegou a enfatizar que os profissionais esperam
conquistar a população com o trabalho a ser realizado, numa resposta
sobre o que eles achavam dos protestos contra sua presença no país.
“Ainda estamos chegando no Brasil, mas digo-lhes uma coisa: todas as
questões que surgem, no início estão sujeitas a críticas e compreendemos
isso. Vamos ficar aqui e aguardar o resultado do nosso trabalho. As
últimas palavras sobre nós e nosso trabalho, ditas daqui a um tempo, é
que valerão de verdade”, acentuou.
Martinez também falou, em nome dos colegas, que a
maioria deles possui mais de 20 anos de trabalho, especialidade em áreas
diversas da medicina e experiência em países da África e América
Central e estão empolgados com a possibilidade de trabalhar em regiões
mais afastadas do Brasil. “Temos muitas expectativas, todas boas. Hoje é
um dia muito importante para nós, porque vamos encontrar nossos colegas
brasileiros e todas as pessoas que queiram ajudar”, ressaltou,
recebendo aplausos dos manifestantes.
Dentre os entrevistados, a maioria mostrou curiosidade
em trabalhar nos estados de Amazonas e Fortaleza. Explica-se: boa parte
deles contou que já participou de missões na Região Norte, mais
precisamente em Rondônia, Roraima e Amapá. Por isso, gostaria de ter uma
experiência nas populações ribeirinhas do Amazonas e do Pará. Em
relação ao Nordeste, da mesma forma, muitos destacaram que estiveram na
região, no interior de estados como Piauí e Sergipe e, se pudessem
escolher, prefeririam conhecer, desta vez, a população do sertão
cearense. “Mas não estamos aqui para fazer escolhas. O que queremos é
trocar experiências e ajudar a saúde das populações mais pobres deste
país”, explicou a médica Célia Sanchez.
Remuneração
Outra questão amplamente repercutida, nos últimos
dias, a remuneração que eles vão receber, tratou de ser esclarecida pelo
médico Rodolfo Garcia em nome dos demais colegas. “Estes médicos que
estão aqui estão habituados a trabalhos de cooperação com outros países.
A remuneração não é o que está pesando para nós no trabalho.
Temos estabilidade de emprego e salário certo em Cuba, que ficará
guardado enquanto estivermos aqui. E receberemos o suficiente para
custear nossas despesas no Brasil. O dinheiro que vai para lá
contribuirá para ajudar a saúde da população cubana e a reforma de
hospitais, que lá são todos públicos, com vocês sabem”, colocou.
“Eles são médicos internacionalistas, altamente
capacitados. Estamos aqui para prestar-lhes solidariedade e manifestar
apoio à política de atenção à saúde do povo brasileiro. Estudei de 2003 a
2009 em Cuba e posso dizer que, do ponto de vista da investigação
científica e da produção biotecnológica em saúde, aquele país está bem
mais avançado e desenvolvido que o Brasil. Tanto é que governo
brasileiro, em 2001, iniciou uma série de convênios e parcerias com o
ministério da Saúde Cubano e o centro de biologia molecular e
biotecnologia de Havana, que resultou na primeira plataforma de ensaios
clínicos da América latina”, afirmou o coordenador da Associação Médica
Nacional, Rodrigo Caçador, formado em Cuba.
‘Ética’
Dentre os que discordavam da chegada dos cubanos, o
grupo mais forte era comandado pelo professor Danilo Amaral. “Até
aceitamos uma política emergência para melhorar a saúde no país, mas é
preciso que seja uma política ética e não uma política assistencial que
se transforme em programa perene, como acontece hoje com o Bolsa
Família. Nesse governo tudo cheira a coisa permanente e
assistencialista, quando o ideal seria que se criasse condições para os
estudantes poderem fazer um bom ensino médio e chegar à universidade”,
reclamou Amaral.
“Sou professor e tenho alunos pobres que vivem
deprimidos porque há anos não conseguem ser aprovados num curso de
medicina. Se o governo investisse mais em educação e propiciasse mais
condições para estes alunos, desde a base, pegando-os nos municípios do
interior a partir das suas vocações, os levando para morar em casas de
estudante nas capitais e permitindo-lhes acesso a faculdades de medicina
com a condição de que, ao se formarem, precisariam passar um tempo em
suas cidades, aí sim eu diria que esse programa seria válido. Posso
dizer com absoluta segurança que temos mais de 2 milhões de jovens no
Brasil querendo fazer medicina”, opinou, ainda, o manifestante, seguido
pela professora Célia Batista.“O trabalho deles será precarizado, a
política trabalhista na qual estão inseridos não é a do país. Não
podemos concordar com isso”, protestou ela.
“Sou dentista, nasci no Amapá e na minha região, sei
de vários médicos que gostariam de trabalhar lá, mas tiveram de migrar
para outras cidades. Sou contra a vinda dos cubamos, mas torço para que,
realmente, o programa ‘Mais Médicos’ dê certo no país, permitindo tanto
o trabalho dos estrangeiros como dando condições para que os
profissionais de saúde dos municípios do interior consigam exercer um
bom trabalho”, disse outra presente ao aeroporto, Alexandra Vieira.
Vieira contou que estava lá por acaso, mas não resistiu e resolveu se
juntar ao grupo, até porque encontrou colegas conhecidos, de sala de
aula.
A odontóloga, que está em Brasília há três anos e
conclui mestrado na Universidade de Brasília (UnB), chamou a atenção
para o fato de que, segundo ela, “de nada será importante a chegada dos
cubanos se não for feito um investimento na base da saúde. Falar que só
o médico resolve não funciona. O médico já consiste numa grande ajuda
para a população carente, mas é importante propiciar com urgência melhor
infraestrutura para a saúde pública”.
Os profissionais recém-chegados passarão as próximas
duas semanas participando de treinamentos e orientações em eventos
fechados, organizados pelo Ministério da Saúde na sede da Fundação
Osvaldo Cruz, em Brasília (localizada no Campus da UnB) e serão
designados para os vários estados brasileiros. Eles estão hospedados em
dois alojamentos do Exército, localizados no Setor Militar Urbano, no
Plano Piloto de Brasília.
Portal Brasil e Blog a Tromba
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