O Uruguai deve se converter, nesta terça-feira (10), no primeiro
país a legalizar e a regulamentar a produção, a venda e o consumo da
marijuana. O polêmico projeto de lei, defendido pelo presidente uruguaio
Jose “Pepe” Mujica e aprovado pela Câmara dos Deputados, será votado
pelo Senado, onde o governo tem 17 dos 30 legisladores.
Vinte e oito mil uruguaios – 5% da população entre 15 e 65 anos – fumam
um cigarro de maconha por dia. Segundo a Junta Nacional de Drogas do
Uruguai, 22 toneladas de marijuana são vendidas anualmente no Uruguai – o
dobro do ano passado.
Consumir drogas (mesmo as mais fortes, como a cocaína ou o crack) não é considerado crime no Uruguai. Foi permitido, por decreto, há 40 anos. A lei só proíbe comprar e vender.
“Essa contradição beneficia os narcotraficantes. Como o consumo é
permitido e o comércio é proibido, criamos um mercado cativo para o
crime organizado, que comercializa a droga sem qualquer controle”,
explicou, em entrevista à Agência Brasil, o deputado governista Julio Bango, autor do projeto. Com a venda de maconha, os traficantes faturam US$ 40 milhões anuais.
Segundo Bango, o governo tinha duas opções para combater o
narcotráfico: proibir o consumo de maconha (algo que dificilmente
conseguiria implementar) ou legalizar e regulamentar o comércio. “É
melhor que o Estado assuma o controle e coloque limites, do que os
narcotraficantes ditem as regras”.
No Uruguai, a maconha é a quarta droga mais consumida, depois do
álcool, do tabaco e dos psicofármacos. “Nenhuma das quatro faz bem à
saúde e a ideia não é promover o consumo da maconha”, explicou. “O que
queremos é justamente regulamentar o comércio da maconha, como fazemos
com as outras três”.
Com a nova lei, qualquer pessoa residente no Uruguai, maior de 18 anos,
terá direito a comprar até 40 gramas de maconha por mês na farmácia – a
preços inferiores aos do narcotraficantes. Mas precisa se registrar, se
quiser ter acesso à droga legal.
“Sou favorável à lei, mas não vou preencher uma ficha, com nome e
sobrenome, dizendo que fumo maconha”, disse Cristian (que não quis dar
seu sobrenome). “Tenho medo que, se meu chefe souber, me demita. Há
muita gente contra essa lei no Uruguai”.
Uma recente pesquisa, feita pela empresa Cifra, mostra que 63% dos
uruguaios são contra. Nas ruas de Montevideu, as opiniões estão
divididas. “Sou contra o consumo da maconha, mas acho uma boa política
legalizar o comércio”, disse, em entrevista à Agência Brasil,
Estela Martinez, mãe de dois adolescentes. “Dos males, fumar maconha é o
menor. Mais perigoso é ir comprar a droga em uma boca de fumo, onde
devem vender cocaína e crack e todo tipo de porcaria”, acrescentou.
A farmacêutica Ana Maria Modena – como muitos de seus colegas de
trabalho – critica a lei. “É um absurdo vender uma droga que sabemos que
faz mal à saúde, em uma farmácia, onde vendemos remédios para tratar
doenças”, explicou.
Com a nova legislação, o governo vai outorgar licenças para o cultivo
de até 40 hectares de terra de maconha – o suficiente para o consumo
doméstico. As plantas serão usadas para investigação científica, para
fins medicinais, para a indústria e para o consumo.
Os uruguaios também terão o direito de cultivar a maconha em casa – mas
podem ter, no máximo, seis plantas. Para a deputada oposicionista
Veronica Alonso, o Uruguai comete um erro ao aprovar a nova legislação.
“O próprio presidente Mujica disse que estamos fazendo um experimento.
Mas é um experimento que, se der errado, vai prejudicar os uruguaios”,
disse a deputada. “E pode prejudicar também os paises vizinhos, como o
Brasil e a Argentina, que têm políticas diferentes de combate ao
narcotráfico. Combater o narcotráfico só é possível se fizermos um
esforço conjunto e regional. Não podemos adotar políticas unilaterais”,
acrescentou.
Mujica foi aplaudido por ex-presidentes da região. Ele pediu ajuda a
outros governos para levar adiante seu “experimento”. Segundo Mujica,
até agora, as poíiticas de repressão não deram resultado – melhor tentar
um novo caminho.
Edição: Graça Adjuto/EBC/Blog a Tromba/Lee Dantas
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