Acabou Marina Silva (1958-2014). Fundadora da Central
Única dos Trabalhadores e organizadora do PT, além de amiga e fraternal
companheira do líder seringueiro Chico Mendes, Marina Silva foi durante
anos, dentro do campo da esquerda brasileira, a representante de uma
utopia que tentou conciliar três vetores quase sempre desalinhados: o
desenvolvimento econômico, a inclusão social e o respeito ao meio
ambiente e às populações tradicionais.
Sua saída do PT, em 2009, empobreceu o partido e o debate interno
sobre qual caminho seguir na busca por um mundo mais justo e solidário.
A figura frágil – sobrevivente da miséria dos migrantes recrutados
para trabalhar na extração da borracha; nascida em uma família de onze
irmãos (da qual oito se criaram); órfã aos 15 anos; sonhática (conforme a
auto-definição); vítima da malária, da intoxicação pelo mercúrio dos
garimpos e da leishmaniose (doenças da extrema pobreza) – pereceu no
domingo, 12 de outubro, depois de lenta agonia.
Foi nesse dia que ela formalizou seu apoio ao tucano Aécio Neves no
segundo turno das eleições presidenciais, contra a candidatura da
petista Dilma Rousseff.
Como membro do Partido dos Trabalhadores, onde militou durante 23
anos, Marina ajudou a eleger e a implantar o governo de Luiz Inácio Lula
da Silva, em que exerceu o cargo de ministra do Meio Ambiente durante
cinco anos e quatro meses. Foi um período importante, que consolidou as
condições para o Ceará, terra dos pais de Marina, crescer mais
velozmente do que a média nacional –3,4% ao ano, contra 2,3% da média
nacional.
Anos também importantes para o Nordeste como um todo, que deixou de
ser exportador maciço de mão-de-obra, já que criou oportunidade de
emprego e renda “como nunca antes”. Só para efeito de comparação, ainda
hoje a atividade econômica nordestina cresce acima de 4% (nos cinco
primeiros meses de 2014), resultado superior à média nacional (0,6%),
segundo o Banco Central.
Exemplo de superação das dificuldades, Marina Silva conta em sua
biografia com uma passagem como empregada doméstica. Dureza. Mas a
contribuição de Marina no fortalecimento do governo do primeiro operário
na Presidência ajudou a mudar a situação das empregadas domésticas.
Primeiro com a valorização do salário mínimo, que passou de R$ 200,
no último ano do governo do tucano Fernando Henrique Cardoso, para os R$
724 atuais.
Depois, com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição das
Empregadas Domésticas, de 2013, que ela, com seu exemplo e luta a favor
dos oprimidos, ajudou (ainda que indiretamente) a garantir.
Mais de um século depois da Abolição da Escravatura, 7,2 milhões de
empregados domésticos brasileiros foram incluídos na categoria de
cidadãos dotados de mínimos direitos trabalhistas, entre os quais o
controle da jornada de trabalho, definida em oito horas diárias.
Além disso, a categoria começou a receber horas extras, remuneradas com valor pelo menos 50% superior ao normal.
Marina estudou muito, de modo a formar-se como historiadora,
professora e psicopedagoga, em uma época em que o país só oferecia aos
membros da elite branca a possibilidade de conquistar um diploma de
nível superior.
Como membro do Partido dos Trabalhadores e afrodescendente, Marina
ajudou a fazer a revolução educacional que aumentou o acesso dos mais
pobres e morenos aos bancos universitários. Pela via da ampliação no
número de vagas nas universidades federais, do ProUni e do Fies, o
número de vagas no ensino superior mais do que duplicou de 3,5 milhões
(em 2002) para 7,1 milhões (em 2013).
Uma vida de vitórias, exemplos e superações.
Mas Marina Silva acabou no domingo 12 de outubro, quando virou as
costas para sua própria trajetória ao declarar voto no candidato Aécio
Neves, o representante de uma política econômica ostensivamente
contrária à valorização do salário mínimo e à ampliação das políticas
sociais e de inclusão.
Com o capital eleitoral que conseguiu reunir no primeiro turno
(21,32 % do total de votos, ou 22.176.619 eleitores), Marina poderia
ajudar sua Rede Sustentabilidade a se consolidar como a tal terceira via
de que tanto falou antes.
Ela preferiu juntar-se a forças bem conhecidas dos brasileiros: Que
criminalizam os movimentos sociais; que atentam contra a liberdade de
imprensa; que são apoiadas pela chamada “Bancada da Bala”, por Silas
Malafaia e por Marcos Feliciano.
Sem contar que os votos de Levi Fidelix (PRTB, o idiota que fez do
aparelho excretor um programa de governo) devem ir para Aécio também.
Marília de Camargo César, autora da biografia “Marina: a vida por uma
causa” (editora Mundo Cristão, 2010), conta que, diante de um problema
de difícil resolução, a ex-ministra costuma praticar a “roleta bíblica”,
que consiste em abrir a Bíblia aleatoriamente, para saber o que Deus
recomendaria na situação.
Não é difícil imaginá-la nesse mister quando ela se saiu com a idéia
de pedir que o PSDB reconsiderasse a campanha pela redução da maioridade
penal, como condição sine qua non a seu apoio. Aécio respondeu sem
pestanejar: não! E assim acabou-se mais uma convicção “firmíssima” de
Marina.
Descansa em paz, Marina!
Laura Capriglione
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