A presidenta Dilma Rousseff concedeu, ontem quinta-feira (24), uma longa entrevista a jornalistas de veículos de comunicação estrangeiros, no Palácio do Planalto, em Brasília. Em mais de 1h40 de conversa, Dilma voltou a refutar veementemente a possibilidade de renunciar ao cargo e reforçou estar sendo vítima de uma tentativa de “golpe constitucional”, por meio do processo de impeachment em análise na Câmara dos Deputados –que, segundo ela, começou como uma estratégia do presidente da Casa, Eduardo Cunha, para “ocultar os seus próprios problemas”.
Depois de um ano e quatro meses sendo investigada “devida e indevidamente”, Dilma garantiu que nada foi encontrado que justifique a cassação de seu mandato conquistado nas urnas. “Podem me virar dos avessos. E é esse o problema. Por que eles pedem que eu renuncie? Por que eu sou mulher, frágil? Eu não sou frágil, não foi isso a minha vida. Sabe por que pedem que eu renuncie? Para evitar o imenso constrangimento de tirar uma presidenta eleita, de forma indevida, de forma ilegal, de forma criminosa”, afirmou.
Presa aos 19 anos quando militava contra a ditadura militar, a presidenta lembrou da tortura para assegurar que não desistirá da luta nesse momento de tensão do País. “Lutei naquela época em condições muito mais difíceis. Vou lutar agora nas condições extremamente favoráveis. É a democracia do meu País, é ela que me dá força. Então, eu não renuncio, não. Para me tirar daqui vão ter que provar que eu tenho de sair”, garantiu.
Dilma argumentou aos jornalistas que um impeachment sem provas do cometimento de crime de responsabilidade representaria uma ruptura da ordem democrática, com consequências drásticas para o futuro do País. Ela lembrou que as chamadas “pedaladas fiscais”, operações orçamentárias para a manutenção de programas sociais, foram utilizadas por outros presidentes, sem que houvesse qualquer questionamento, e que as contas do governo referentes a 2015 ainda não foram sequer entregues para análise. “Esse golpe, que rompe a normalidade democrática, ele pode não ter consequências imediatas, mas ele deixará uma marca na vida política brasileira, forte. Por isso nós temos de reagir, por isso nós temos de impedir, e por isso entendo a palavra de ordem do pessoal que me apoia: ‘Não vai ter golpe’”, acrescentou.
A presidenta também voltou a criticar a gravação e vazamento pela Justiça Federal no Paraná de conversas suas com o ex-presidente Lula, que deveriam ter sido remetidas para o Supremo Tribunal Federal (STF), único órgão competente para determinar investigação contra a Presidência da República. Para ela, a violação ilegal da privacidade atenta contra o Estado de Direito. “A democracia tem isso, você não pode sacrificar um pedaço dela e achar que ela fica inteira”, pontuou.
Dilma também demonstrou preocupação com a atuação politizada e partidarizada de alguns juízes. “Juiz tem de ser imparcial; juiz não pode julgar com as paixões políticas, por isso ele é vitalício, por isso ele não pode ser demitido pelo governo, ele não pode pressionado pelo governo, ele tem autonomia. É isso que diz a nossa Constituição”, observou.
Lula no governo e pacto por reformas
Em outro trecho da conversa com os jornalistas, a presidenta Dilma voltou a defender a nomeação do ex-presidente Lula para o cargo de ministro-chefe da Casa Civil, e acusou aqueles que tentam impedir sua posse de agir para evitar o fortalecimento do governo. Ela garantiu, no entanto, que nenhum esforço será suficiente para evitar que Lula auxilie na estabilização política e econômica do País: “Ou ele vem como ministro, ou ele vem como meu assessor, isso eles não podem impedir. Ou ele vem de um jeito, ou vem do outro. Nós traremos o presidente Lula para nos ajudar no governo”.
Sobre as especulações de que a nomeação de Lula teria o objetivo de lhe garantir imunidade contra investigações, a presidenta foi enfática. “Supor que o presidente Lula viria aqui para se proteger é uma coisa que só pode passar na cabeça de alguém que queira criar problema onde não tem. Mas que proteção estranha! Porque um ministro não está protegido de investigação. Pelo contrário, ele é investigado pela Suprema Corte, diretamente se usa a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal. Tanto é assim que a investigação do presidente da Câmara, que tem foro especializado, é uma investigação que ninguém pode questionar, ou pode?”, questionou, lembrando que como ministro, além de continuar sendo investigado, Lula perderia o direito de recorrer a instâncias superiores.
Dilma reforçou que conta com a habilidade de articulação política e a experiência administrativa do ex-presidente para chegar, após a superação da crise, “sem ruptura democrática”, a um pacto pela reforma política. “Do jeito que está o sistema político brasileiro, nós vamos ter sistemáticas crises”, sentenciou a presidenta. “Em alguns países você precisa de três partidos para a governabilidade, certo? Aqui, no Brasil, eu acho que precisa de três, no máximo, cinco. Hoje no Brasil nós temos de ter 14, 13, 12. O sistema político brasileiro não corresponde às necessidades e à complexidade da economia e da sociedade brasileira”.
Para a presidenta, outras reformas que o Brasil necessita, como a reforma tributária, dependem inicialmente desse pacto político, que restabeleça a confiança e evite que disputas partidárias levem ao agravamento da situação econômica, como tem ocorrido desde o ano passado como as chamadas “pautas bomba” no Congresso.
Ainda assim, segundo Dilma, apesar da confluência de fatores que prejudicou o País nos últimos anos, como o fim do ciclo de valorização das commodities, a queda do preço do petróleo e a seca em diversas regiões do País, a economia brasileira começa a dar sinais de recuperação. “Nós saímos de um déficit na balança comercial de quatro [US$ 4 bilhões] e fomos para um superávit de 19,6 [US$ 19,6 bilhões]. E nós já estamos, em torno de 30 [US$ 30 bilhões] de superávit anualizado neste mês. Então, o Brasil começou a se mexer. Ele vai se mexer, ele vai continuar”, disse, antevendo que a crise econômica pode ser superada até o fim do ano, caso haja uma distensão no cenário político.
Manifestações, tolerância e inclusão social
Outro tópico que foi alvo de preocupação de Dilma Rousseff foi o cenário de manifestações pró e contra o governo e a radicalização de opiniões políticas no País. A presidenta defendeu a liberdade de expressão e manifestação, mas alertou para a necessidade de tolerância com as posições divergentes. “A gente tem de escutar as ruas, mas escutar as ruas não significa –e não pode significar– usar as ruas para estimular a violência, para estimular a restrição à livre manifestação e ao livre pensamento das pessoas”, disse Dilma, adicionando: “Você não pode utilizar manifestação na porta da casa das pessoas para constrangê-las. Não se pode fazer isso com ministros, não se pode fazer isso com deputados. Isso está errado, isso não é método democrático. Isso, de fato, é método fascista de atuação”, criticou.
“Nós não somos um povo intolerante. Você olha que nós temos um tempo grande de vida política, partidária, no País. Você nunca teve um momento de tamanha intolerância, de tamanha estigmatização de pessoas”.
No entanto, a presidenta disse acreditar que as bases para a paz social no Brasil existem. “Elas não estão rompidas. O Brasil não é um país em insurreição”, afirmou. Para Dilma, esse processo passa pela continuidade das políticas de inclusão social e redução das desigualdades. “Mesmo se você considera que o fim da miséria é só um começo. Quando a pessoa sai da miséria, ela quer mais coisas, ela quer melhores serviços, ela quer acesso a bens culturais, com toda razão, porque é o que nós queremos. Por que eles vão ser diferentes? Só por que saíram da pobreza? A base do país não é uma base explosiva, não tem uma diferença religiosa. Nós não temos conflito étnico, nós somos um país que sempre cultuou a paz”, analisou.
Fonte: Blog do Planalto