Eduardo Cunha, minutos antes da prisão: “Geddel, eu vou ser preso! Vocês precisam fazer alguma coisa”
O ex-deputado Eduardo Cunha ligou para o Palácio do Planalto
minutos antes de ser preso e pediu ajuda. Foi mais uma das ameaças
veladas que fez ao governo nos últimos meses
ROBSON BONIN
A Operação Lava-Jato transformou o PT num
fantasma de si mesmo. A outra metade da sociedade clandestina começou a
ruir agora. Passava do meio-dia de quarta-feira quando tocou o celular
do ministro Geddel Vieira Lima, chefe da Secretaria de Governo da
Presidência da República. O ex-deputado Eduardo Cunha estava
ligeiramente alterado: “Geddel, eu vou ser preso! Vocês precisam fazer
alguma coisa!”. Geddel estava ao lado de Eliseu Padilha, chefe da Casa
Civil. O presidente Michel Temer estava em missão oficial no exterior. O
ministro ouviu o apelo praticamente calado. Sem saber exatamente o que
se passava, pediu calma ao colega.
A prisão de Cunha havia sido decretada pelo juiz Sérgio Moro. Antes
de acionar o Planalto, Eduardo Cunha mandou uma mensagem para um de seus
advogados via WhatsApp: “Urgente. Serei preso”. Eram 12h37. 0
ex-deputado acabara de receber uma ligação de uma de suas fílhas,
informando que a Polícia Federal estava na porta de sua casa, no Rio de
Janeiro. Cunha pediu para falar com um dos agentes. “O que está
acontecendo?”, questionou.
“Precisamos falar com o senhor pessoalmente”, respondeu o policial. “Mas eu estou em Brasília.” Pelo telefone, a filha enviou uma cópia do mandado de prisão apresentado pela PF. Trinta minutos depois, os policiais chegaram ao apartamento funcional do ex-deputado, em Brasília. Mesmo que quisessem, não havia nada que Geddel e Padilha pudessem fazer para evitar a prisão. Por isso, o pedido de ajuda soou como mais uma das muitas ameaças veladas que o ex-presidente da Câmara vem fazendo desde que surgiram os primeiros indícios de que acabaria enjaulado em Curitiba. Ameaças que sempre miraram Geddel, Padilha e até o próprio presidente Temer.
Ameaças, enquanto não se materializam em alguma coisa nem geram reações do suposto ameaçado, são apenas isso: ameaças. Talvez blefes. Mas o fato é que esses blefes agora ganham nova dimensão.
“Precisamos falar com o senhor pessoalmente”, respondeu o policial. “Mas eu estou em Brasília.” Pelo telefone, a filha enviou uma cópia do mandado de prisão apresentado pela PF. Trinta minutos depois, os policiais chegaram ao apartamento funcional do ex-deputado, em Brasília. Mesmo que quisessem, não havia nada que Geddel e Padilha pudessem fazer para evitar a prisão. Por isso, o pedido de ajuda soou como mais uma das muitas ameaças veladas que o ex-presidente da Câmara vem fazendo desde que surgiram os primeiros indícios de que acabaria enjaulado em Curitiba. Ameaças que sempre miraram Geddel, Padilha e até o próprio presidente Temer.
Ameaças, enquanto não se materializam em alguma coisa nem geram reações do suposto ameaçado, são apenas isso: ameaças. Talvez blefes. Mas o fato é que esses blefes agora ganham nova dimensão.
Um dos políticos mais astutos da história, Eduardo Cunha tem na
memória os detalhes da parceria criminosa que ele mesmo ajudou a
construir entre o PT e o PMDB. Sua meteórica ascensão deu-se ao impulso
dessa sociedade e de sua própria audácia, até que a Lava-Jato chegou.
Preso, o ex-deputado é acusado de crimes gravíssimos. “As provas são, em
cognição sumária, da prática reiterada, profissional e sofisticada de
crimes contra a administração pública, por Eduardo Cunha, não só em
contratos da Petrobras, mas em diversas outras áreas, não raramente com o
emprego de extorsão e de terceiros para colher propinas”, escreveu
Moro.
Transferido para Curitiba, ele se junta a ex-ministros, ex-senadores,
ex-deputados e aos empresários que se dedicava a ajudar em troca de
propinas. E ameaça, ou blefa, fazer as celas de Curitiba ficarem
pequenas para tanta gente. As chances de Cunha deixar a cadeia nos
próximos dez anos são mínimas. Um acordo de delação premiada seria a
única alternativa. Essa possibilidade, embora apenas dedutiva, já
assusta muitos parlamentares, sobretudo aqueles alçados à hoje temerária
condição de “bancada do Cunha”.
Cunha nunca acreditou que seria preso. Desde que teve o mandato cassado, anunciava que escreveria um livro. Seria seu ajuste de contas com os adversários, sua delação particular.
Cunha nunca acreditou que seria preso. Desde que teve o mandato cassado, anunciava que escreveria um livro. Seria seu ajuste de contas com os adversários, sua delação particular.
O ex-deputado procurou pelo menos três editoras. O livro ainda não tinha uma forma definida, mas já tinha nome: Impeachment.
Nele, Cunha narraria o que, segundo ele, está na raiz de todos os seus
problemas: o dia em que abriu o processo de impeachment contra a
presidente Dilma Rousseff. A um dos editores com quem conversou, o
deputado cassado fez uma revelação: dedicaria um capítulo especial ao
presidente Michel Temer e ao ex-presidente Lula — dois personagens que,
garante, tiveram papel fundamental no desfecho da história. “O que
exatamente?”, quis saber o editor.
Cunha fez mistério, mas nunca deixou ninguém esquecer que já dissera
uma frase apocalíptica: “Serei conhecido como o homem que derrubou dois
presidentes”.
VEJA apurou que uma das principais histórias que Cunha ameaça revelar
aconteceu na primeira semana de dezembro de 2015, dias antes da
abertura do impeachment. O então presidente da Câmara se reuniu com o
então vice-presidente no Palácio do Jaburu. No encontro reservado, ele
disse a Temer que havia tomado a decisão de arquivar todos os pedidos de
impeachment contra Dilma. 0 motivo? Obtivera do então ministro da Casa
Civil, Jaques Wagner, a garantia de que o PT votaria para livrá-lo da
cassação no Conselho de Ética da Câmara. Temer recebeu a notícia de
maneira indiferente. No mesmo dia, o próprio vice foi ao Planalto e
avisou a Dilma sobre a decisão de Cunha. O impeachment estava sepultado.
Houve até uma discreta comemoração, mas a alegria durou menos de 24
horas. Os jornais noticiaram o acordão selado entre Cunha e Wagner. O
ex-presidente Lula avalizou o acerto, em mais um encontro secreto com
Eduardo Cunha. A revelação fez o presidente do PT, Rui Falcão, orientar a
bancada petista a votar contra Cunha no Conselho de Ética, rompendo o
acordo. Furioso com os ataques dos petistas, Cunha telefonou para Temer:
“Darei uma coletiva logo mais. Assista!”. Estava aberto o processo.
O que ele não sabia — e descobriu depois — é que foram os próprios
aliados de Temer os responsáveis pelo vazamento. Antes da prisão, Cunha
confidenciou a vários colegas que se considerava traído por Temer e
alguns de seus ministros e assessores mais próximos. Citou Geddel,
Padilha e, principalmente, o assessor especial Moreira Franco. Em uma
reunião com o já presidente Temer, chegou a advertir: É bom para todo
mundo que eu sobreviva ao processo de cassação. Se eu cair, vou levar
muita gente junto” Temer rebateu: “Faça o que você achar melhor,
Eduardo”. Cunha era uma espécie de banqueiro do PMDB. Recolhia propina
com empresários, destinava uma parte para suas contas pessoais, mas
também ajudou a financiar muitas campanhas eleitorais, que acabaram
formando a “bancada do Cunha”. Diz-se que colaborou em mais de uma
centena de campanhas.
Depois que caiu em desgraça, passou a fazer ameaças — ou a blefar. “O
Michel não tem com o que se preocupar. Ele não tinha nada com o
Eduardo. Era ele (o deputado) quem trazia as doações de empresários e
especificava para quem o dinheiro deveria seguir no PMDB. Como
presidente do partido, o Michel apenas liberava os recursos”, diz um
ministro palaciano. O dado não se encaixa com a afirmação feita pelo
senador Romero Jucá, ao ser flagrado num grampo: “Temer é Cunha”.
No fim da manhã de quarta-feira, depois de Cunha ter ligado para
Geddel Vieira Lima, Eliseu Padilha mostrou-se solidário ao colega.
Telefonou para um dos advogados de Cunha: “Estou ligando para saber se o
Eduardo está precisando de alguma coisa”, disse o ministro, segundo
relato de um assessor do próprio Cunha. Geddel negou ter recebido pedido
de ajuda: “Ele ligou pra mim, eu atendi, disse ‘oi, tudo bem’, mas, por
coincidência, a ligação caiu. Não falamos nada”. Indagado sobre o
telefonema da solidariedade, Padilha também negou: “Não houve”. O maior
sinal de que Cunha caiu definitivamente em desgraça é que Brasília se
transformou num deserto para ele.