A construção de
Alcaçuz em cima de areia fina, de dunas, começa a virar deboche
nacional. Hoje é destaque de capa do jornal Folha de São Paulo. A
novidade é que o presidio foi um projeto de duas universitárias para
conclusão do curso e que mesmo tendo projetado só acompanharam a
construção uma única vez e afirmam que o governo quando construiu não
seguiu itens de segurança essenciais.
Segue reportagem da Folha:
Cenário do
massacre de 26 presos e sem controle do poder público há mais de uma
semana devido à guerra entre facções criminosas, a prisão de Alcaçuz, na
região metropolitana de Natal, tem a origem de seus problemas há quase
três décadas, quando saiu do papel com base num trabalho de conclusão de
curso de duas alunas de arquitetura na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte.
Prevista
originalmente num terreno rochoso na cidade de Macaíba, a 14 km de
Natal, a planta foi adaptada e erguida sobre dunas no município de Nízia
Floresta, ao lado da capital potiguar –com características que
facilitaram a presença de esconderijo de armas e fugas com túneis
escavados na areia.
Entre domingo
(22) e segunda (23), por exemplo, policiais da Força Nacional
encontraram três túneis ao redor de Alcaçuz –um deles camuflado com
galhos de árvores, e outro só descoberto após a chuva levar parte da
areia.
Além disso,
apesar da entrada da PM no complexo na sexta (20), houve uma nova
tentativa de fuga na madrugada desta segunda, pelo telhado. Um agente
penitenciário percebeu a movimentação e disparou –um detento foi
atingido no braço.
As falhas da
prisão construída são reconhecidas por uma das arquitetas do projeto,
para quem elas não estão especificamente nas dunas. “O problema é que
normas de seguranças, como fundações bem feitas e muros reforçados, não
foram realizadas corretamente. O projeto não foi seguido”, diz Rosanne
Azevedo de Albuquerque, 50, hoje professora universitária.
Rosanne era
estudante na faculdade quando, junto com a colega Lavínia Negreiros,
decidiu fazer um projeto de presídio. “Era um trabalho de conclusão de
curso sem nenhuma ambição”, afirma.
As duas criaram
um presídio que tinha quatro pavilhões e áreas voltadas à educação,
tratamento médico e oficinas. Na apresentação, receberam nota máxima. O
governo se interessou e comprou a ideia. “Nem me lembro quanto pagaram,
mas não foi muita coisa”, diz Rosanne.
As duas
arquitetas puderam visitar a construção apenas no início. Depois,
acabaram nem sendo convidadas para a inauguração, em 1998, na gestão do
então governador Garibaldi Alves Filho, hoje senador pelo PMDB.
A planta previa
um piso com camadas espessas de concreto e de grades de ferro, o que
não foi feito. Com o tempo, os presos quebraram o piso e chegaram até a
areia. Para fugir, cavavam túneis com as mãos e com pás de ventilador.
Os buracos passavam por baixo do muro e saíam do lado de fora, numa vila
que cerca o presídio –apelidado de “queijo suíço”.
Moradores do
entorno estão acostumados com fugas –só no ano passado 102 detentos
fugiram dali. Uma dona de casa, que preferiu não se identificar, afirmou
que em 2016 encontrou vários presos nas ruas de terra. “Eles não mexem
com a gente. Só querem fazer a fuga”, conta.
“Não sei como
Alcaçuz não desabou ainda. Há verdadeiras cavernas embaixo. O que tem
ali é areia, areia de praia”, diz Henrique Baltazar, juiz de execução
penal que atuou na detenção entre 2010 e 2015. Segundo policiais e
agentes penitenciários ouvidos pela Folha, é bastante difícil encontrar
armas com os presos de Alcaçuz, porque eles as enterram nas dunas e na
areia que existe no complexo.
Jogar objetos
para dentro da detenção também não é tarefa difícil, já que o prédio
fica numa área mais baixa e é cercado por outras dunas. Normalmente há
seis agentes penitenciários por turno, para mais de mil presos.