A Globo se calou. Foram vários minutos de silêncio na transmissão ao vivo do desfile da Grêmio Recreativo Escola de Samba Paraíso do Tuiuti. Num festival de falas rasas, com frases curtas que tentavam disfarçar o indisfarçável incômodo dos comentaristas, a escola questionou o “fim da escravidão”. E não parou por aí. A Tuiuti apresentou brilhantes críticas ao golpe de estado de 2016, arregimentado pela Justiça, parte de parlamentares, grandes empresários do país e comandado pela própria Globo.
Não dava para do nada, simplesmente, cortar a transmissão.
O desfile que incomodou a maior patrocinadora do extermínio dos pobres do Brasil, questionou o suposto “fim da escravidão” e mais do que isso, colocou os “paneleiros” criados pela Globo, na Sapucaí como bonecos manipulados. A incrível finalização trouxe o presidente golpista Michel Temer numa representação vampiresca neoliberalista, tal como ele vem sendo caricaturizado, pela esquerda, e até por uma considerável ala da direita do país. A TV Golpe se embaraçou.
O carnavalesco da escola, Jack Vasconcelos superou junto com a comunidade, todos os incidentes do desfile de 2017, e sem dúvida merece aplausos de pé, pelo trabalho crítico sustentando por uma pesquisa brilhante e aprofundada que trouxe para 2018, um dos enredos mais bonitos e aguerridos do Carnaval do Rio de Janeiro. Um verdadeiro grito de luta contra todos os retrocessos que o povo pobre sofre e que continuou com o impeachment da presidente Dilma Rousseff e com a aprovacão de “reformas”, especialmente, a trabalhista.
O samba com seu papel de cultura de resistência é um instrumento fundamentalmente conscientizador. Mas já havia alguns anos que escolas de samba não produziam algo que conectasse tão verdadeiramente com a realidade do povo. A inquietação, indignação e a denúncia sobre uma sociedade dividida entre “nós e eles” foi ilustrada por “carteiras de alforria” que foram substituídas pelo fim da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT fisicamente representadas por carteiras de trabalho, que agora com a reforma trabalhista, leva ao trabalhador do século XXI, um destino como o da escravidão do século XIX. O trabalhador de hoje é sem dúvida, o escravo de outrora.
O título é de um samba da Unidos de Lucas*, da década de 60, que louva a abolição da escravatura e a Princesa Izabel que assinou a lei áurea. Mas na época, nenhuma contestação ou questionamento sobre a escravidão dos dias atuais foram feitas. Nada foi dito sobre a escravidão moderna existente no Brasil.
Nas redes sociais, o desfile de ontem ainda ferve e polemiza a segunda de carnaval. Seja no Twitter, Facebook e até em veículos da mídia tradicional que fazem as tradicionais enquetes, sempre um dia após aos desfiles, só dá Paraíso do Tuiuti.
Samba Enredo 2018 – Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão?
G.R.E.S Paraíso do Tuiuti
G.R.E.S Paraíso do Tuiuti
Irmão de olho claro ou da Guiné
Qual será o seu valor? Pobre artigo de mercado
Senhor, eu não tenho a sua fé e nem tenho a sua cor
Tenho sangue avermelhado
O mesmo que escorre da ferida
Mostra que a vida se lamenta por nós dois
Mas falta em seu peito um coração
Ao me dar a escravidão e um prato de feijão com arroz
Qual será o seu valor? Pobre artigo de mercado
Senhor, eu não tenho a sua fé e nem tenho a sua cor
Tenho sangue avermelhado
O mesmo que escorre da ferida
Mostra que a vida se lamenta por nós dois
Mas falta em seu peito um coração
Ao me dar a escravidão e um prato de feijão com arroz
Eu fui mandiga, cambinda, haussá
Fui um Rei Egbá preso na corrente
Sofri nos braços de um capataz
Morri nos canaviais onde se plantava gente
Fui um Rei Egbá preso na corrente
Sofri nos braços de um capataz
Morri nos canaviais onde se plantava gente
Ê Calunga, ê! Ê Calunga!
Preto velho me contou, preto velho me contou
Onde mora a senhora liberdade
Não tem ferro nem feitor
Preto velho me contou, preto velho me contou
Onde mora a senhora liberdade
Não tem ferro nem feitor
Amparo do Rosário ao negro benedito
Um grito feito pele do tambor
Deu no noticiário, com lágrimas escrito
Um rito, uma luta, um homem de cor
Um grito feito pele do tambor
Deu no noticiário, com lágrimas escrito
Um rito, uma luta, um homem de cor
E assim quando a lei foi assinada
Uma lua atordoada assistiu fogos no céu
Áurea feito o ouro da bandeira
Fui rezar na cachoeira contra bondade cruel
Uma lua atordoada assistiu fogos no céu
Áurea feito o ouro da bandeira
Fui rezar na cachoeira contra bondade cruel
Meu Deus! Meu Deus!
Seu eu chorar não leve a mal
Pela luz do candeeiro
Liberte o cativeiro social
Seu eu chorar não leve a mal
Pela luz do candeeiro
Liberte o cativeiro social
Não sou escravo de nenhum senhor
Meu Paraíso é meu bastião
Meu Tuiuti o quilombo da favela
É sentinela da libertação
Meu Paraíso é meu bastião
Meu Tuiuti o quilombo da favela
É sentinela da libertação