Em fileiras, camponeses de todo Brasil marcham em três colunas rumo à Brasília

A marcha também serve para denunciar as violações da democracia protagonizadas pela própria justiça brasileira. / Leonardo Milano
De chinelos, o trabalhador rural João Marcos dos Santos, de 82 anos, caminha os 16 km do segundo dia da Marcha Nacional Lula Livretranquilamente, na manhã deste sábado (11). “Alguns jovens ficam para trás. Mas eu aguento. Muito tempo trabalhando na roça”, comenta.
Ele trabalhou por toda a vida como agricultor e aguarda a desapropriação de uma terra da União na região de Santa Helena (GO). Há dois anos, Seu João entrou para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), um dos organizadores da marcha, junto a Via Campesina (movimento que integra diversas organizações do campo).
“Estou lutando para ter um pedacinho de terra no resto da vida, depois de todo esse tempo trabalhando na terra dos outros”, explica o agricultor que junto a outros 5 mil camponeses de todo o Brasil marcham rumo à Brasília para defender o direito do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ser candidato à Presidência da República.
Organização
Os marchantes se dividiram em três colunas de cidades próximas à capital federal. Ao todo, serão cerca de 50 quilômetros de caminhada. As atividades começaram na tarde desta sexta-feira (10), com o lançamento nas cidades em que cada uma das colunas partiu. A expectativa é que as três colunas se encontrem na chegada em Brasília, no próximo dia 14 de agosto, para participarem do ato de registro da candidatura de Lula, no dia 15.
Um dos grupos partiu da cidade de Formosa (GO), outros manifestantes saíram de Luziânia (GO) e a terceira coluna seguiu da cidade de Engenho das Lages (DF).
Para Ceres Luisa Antunes Hadich, do Assentamento Maria Lara, localizado na região norte do Paraná, a Marcha Lula Livre mostra que os movimentos populares querem outra sociedade. Ela reforça que o MST se posiciona contra a retirada de direitos protagonizadas pelo governo de Michel Temer (MDB) e tem como bandeira central recolocar a questão democrática no país. 
Ceres acredita que a marcha possui um papel importante de denunciar as violações da democracia protagonizadas pela própria justiça brasileira. 
"Estamos passando por um momento crítico em que, há mais de cem dias, o presidente Lula está preso arbitrariamente. Estamos imersos em uma crise política e nos aproximando das eleições presidenciais e a marcha é um momento para dialogar com a população brasileira sobre o que está acontecendo no nosso país", comenta a assentada.
Coluna Prestes
As três caravanas que constroem a Marcha Lula Livre levam nomes de lutadores do povo e homenageiam sua luta. Conhecido como cavaleiro da esperança, Luiz Carlos Prestes foi o comandante da Coluna Prestes, movimento político realizado entre 1924 e 1927 contra o coronelismo brasileiro.
A coluna é composta por cerca de 2 mil pessoas, que saíram de seus estados no sul e sudeste do país para participar da Marcha. Os estados de Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, compõe a Coluna Prestes, que saiu de Luziânia (GO) em direção a Valparaíso de Goiás (GO), na manhã deste sábado (11).
"Resgatamos o nome 'Coluna Prestes' porque foi uma marcha de mais de dois anos, composta por milhares de pessoas, e que caminhou mais de 25 mil km pelo interior do Brasil, discutindo quais eram os direitos dos trabalhadores", explica Ester Hoffmann, da coordenação nacional do MST e do estado de Minas Gerais.
À época, a marcha foi enfática ao se opor a dominação dos setores elitistas. "Nessa conjuntura, se faz necessário que resgatemos todas as lutas que já tivemos no Brasil e marchemos novamente. Precisamos resgatar os lutadores do povo, como Luiz Carlos Prestes", complementa a coordenadora.
Ceres Luisa Antunes Hadich, do Assentamento Maria Lara, localizado na região norte do Paraná, relembra que a marcha foi muito relevante para a história do país por buscar um diálogo com a sociedade.
"A Coluna Prestes foi uma marcha grandiosa por trazer mais pessoas para a mobilização e denunciar o sistema político que estava sendo enfrentado na época. Optamos nomear nossa coluna dessa forma para trazer essa grande referência histórica. Assim como eles, estamos aqui para denunciar o cenário de barbárie que estamos vivendo no Brasil, o retorno de várias doenças e epidemias que já não existiam mais e estão voltando, assim como problemas sociais como a fome, a miséria e a pobreza", diz Ceres.
Tereza de Benguela
As delegações que compõem a coluna Tereza de Benguela saíram por volta das 6h30 do quilômetro 22 da BR-060, em Engenho das Lages (DF). Os militantes caminharam cerca de 16,5 km da rodovia, e chegaram à cidade-satélite de Samambaia (DF) por volta das 11h30 deste sábado.
A coluna reúne cerca de mil militantes dos estados Goiás, Tocantins, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Maranhão, Pará e Distrito Federal.
As delegações da Amazônia e do centro-oeste decidiram nomear a coluna em homenagem à liderança quilombola que atuou contra o regime escravocrata na região do atual estado do Mato Grosso.
“Homenagear Tereza de Benguela é resgatar o vigor, a luta e a resistência do povo negro e quilombola em um momento de retrocessos de direitos da classe trabalhadora; de violência instituída no campo e nas cidades, sobretudo, contra as populações negras que vivem nas periferias”, afirma Maria Divina Lopes. Ela vive no assentamento João do Vale, no Maranhão, e é integrante da direção estadual do MST.
“Tereza foi uma grande guerreira, lutadora e organizadora do povo. Uma mulher negra e resistente que enfrentou um período de muita dureza no nosso país”, recorda a militante.
Ela lembra também das lideranças negras e indígenas que, hoje, organizam processos de resistência nos territórios da Amazônia e do Centro-Oeste.
“As Terezas se reproduzem. Nós herdamos de Tereza de Benguela esse vigor, criatividade e capacidade de lutar e resistir,” comenta.
Ligas Camponesas
A delegação dos estados do Nordeste, por sua vez, resolveram homenagear um movimento que teve início na região, e com o tempo se espalhou para outras partes do país. A Coluna Ligas Camponesas relembra a organização camponesa surgida em 1945, sendo um dos movimentos mais importantes em defesa reforma agrária e da melhoria das condições de vida no campo no Brasil.
Elas foram abafadas depois do fim do governo de Getúlio Vargas e só voltaram a agir em 1954, inicialmente no estado de Pernambuco, e posteriormente na Paraíba, no Rio de Janeiro e em Goiás. A partir daí, as Ligas Camponesas exerceram intensa atividade até o golpe militar de 1964.
Os cerca de 1.500 militantes da Coluna Ligas Camponesas saíram da cidade de Formosa (GO) na manhã deste sábado e marcham pela BR 020.
Edição: Luiz Felipe Albuquerque

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