Da revista Piauí para a Folha:
Pouco antes de ser exonerado da presidência da Apex, a Agência
Brasileira de Promoção de Exportações e Investimento, por volta das
quatro da tarde dessa terça-feira, dia 9, o embaixador Mario Vilalva
disse à piauí, durante uma conversa telefônica, que estava
“administrando um jardim de infância”.
O principal alvo de sua crítica era a empresária Letícia Catelani, ou
Letícia Catel, como é conhecida nas redes sociais bolsonaristas,
diretora de Negócios da agência, que o embaixador considera uma pessoa
“infantil e despreparada para o cargo”.
Catel, de 30 anos, é muito próxima do deputado Eduardo Bolsonaro,
filho caçula do presidente Jair Bolsonaro, e, segundo o embaixador
Vilalva, é também “protegida” do chanceler Ernesto Araújo.
No momento em que fazia as acusações contra Catel, Vilalva
interrompeu a conversa para me dizer que precisava atender a uma ligação
de urgência. Logo em seguida, sua assessoria me informou que ele
deixara o prédio da Apex, pois havia sido exonerado pelo chanceler
Ernesto Araújo.
São muitas as críticas de Vilalva a Catel. Ele a acusa de paralisar
todos os negócios da agência e de bloquear todos os projetos, causando
enorme prejuízo às empresas brasileiras. Além do despreparo para lidar
com questões fundamentais da promoção de comércio exterior, ele se
queixava do comportamento dela.
Para Vilalva, além de não saber trabalhar em equipe, Catel era
indisciplinada e boicotava o trabalho da agência, atrapalhando os
negócios.
O embaixador citou um episódio que lhe incomodou sobremaneira: após
uma reunião com Catel e com o diretor de Gestão Corporativa, Márcio
Coimbra, também indicação de Bolsonaro filho, ficou acertado que, no dia
seguinte, eles assinariam um contrato com a empresa Terroir para a
contratação dos irmãos Campana, dois dos mais incensados designers
brasileiros, para ser a atração principal do estande brasileiro na feira
de móveis e design de Milão.
Ele esperou por ela durante toda a manhã e Catel não apareceu. Também não lhe deu qualquer satisfação.
Quando, finalmente, conseguiu contatá-la, ela informou que estava
fora da agência, tratando de outros interesses, e que ele lhe mandasse o
contrato para assinar por um portador. “Era lógico que eu não ia fazer
isso”, me disse o embaixador, irritado e acometido de uma tosse
intermitente. “O contrato tinha que ser assinado na agência, diante de
testemunhas, que é a forma profissional de se fazer isso.”
No dia seguinte, começaram a ser publicadas notas afirmando que a tal empresa tinha sido citada na operação Lava-Jato.
Vilalva não se conforma. Ele está seguro de que a nota foi plantada
por Catel, amiga de Filipe Martins, assessor internacional de Jair
Bolsonaro, para colocar sua reputação em dúvida. “Todas as vezes que
falamos desse contrato, jamais foi levantada qualquer suspeita sobre a
empresa. Por que então, no dia seguinte, começam a pipocar essas
notas?”, questionou. “E, se ela sabia da tal citação, por que não me
informou?”, continuou, indignado, acometido de novo ataque de tosse.
Esse, porém, segundo ele, foi apenas um dos inúmeros problemas que
ela causava na agência. Um dos projetos de grande importância para os
negócios brasileiros é com o Sindicato da Indústria Audiovisual de São
Paulo, o Siasp, responsável pela divulgação do cinema brasileiro no
exterior.
A agência tem uma parceira com o sindicato desde 2006 para ajudar a
promover o cinema nacional, o que tem trazido um retorno importante para
o país. Além da mostra em festivais, o projeto ajuda na venda de filmes
brasileiros lá fora, atrai investimentos externos para o cinema
nacional.
Como diretora de Negócios, Letícia Catel paralisou o projeto e não
deu qualquer satisfação sobre o porquê de tal decisão. “Ela é
desrespeitosa e ineficiente”, queixou-se o embaixador.
A confusão não parou por aí. Vilalva assumiu a agência após o
chanceler ter demitido seu antecessor, Alecssandro Carreiro, também
indicado por Eduardo Bolsonaro. Carreiro, um quadro do PSL, além de não
ter qualquer familiaridade com o comércio exterior, não falava inglês e
jamais viajara ao exterior, afora ser também desafeto de Catel.
Ao tomar posse, Vilalva convidou a ex-diretora de Negócios Marcia
Nejaim, profissional concursada e experiente, para ser sua chefe de
gabinete. A nomeação de Nejain, porém, foi barrada pelo ministro Ernesto
Araújo.
O embaixador Vilalva tem uma explicação. “O chanceler não queria que
ninguém fizesse sombra à sua protegida.” Mais grave ainda, segundo o
embaixador, era que Catel, além de inexperiente, colocou vários gerentes
de sua confiança que não se comunicavam com o restante da agência.
Chegou até a nomear um integrante do PSL, que sequer tinha curso
superior, pré-requisito para trabalhar na Apex. “Eu chamei a atenção
dela para o fato, mas ela ignorou”, me disse. “Era um absurdo
contratarmos uma pessoa sem curso superior, o que, além de ferir os
estatutos da agência era um desrespeito com os concursados, muitos dos
quais têm doutorado e pós-doutorado”.
O fato, me disse Vilalva, era que, diante dessa insubordinação, ele
estava apagando incêndios provocados pelos dois diretores, ao invés de
tratar do assunto de fundamental importância para a agência, a promoção
de negócios.
Uma situação que lhe causou grande constrangimento foi o
comportamento de Catel durante a visita de uma delegação de deputados do
PSL à China. Convidada pelo governo chinês para conhecer as novidades
tecnológicas chinesas, que competem com a tecnologias americanas, a
delegação foi alvo de uma cruzada furiosa de Olavo de Carvalho, que
acusou os parlamentares de serem comunistas infiltrados no PSL.
A briga esquentou, e Catel ficou ao lado de Carvalho, postando em seu
Twitter vários textos e imagens ridicularizando os parlamentares. “Veja
se isso é coisa de uma diretora de Negócios da Apex fazer”, reclamou
Vilalva.
O resultado de tanta briga é que a agência, com orçamento de 795
milhões de reais ao ano para promover os negócios brasileiros, estava
paralisada. Isso gerou uma série de queixas dos empresários de vários
setores.
A agência é fundamental para promover, principalmente, as exportações
de empresas de menor porte, que não têm cacife para participar de
feiras internacionais e de fazer contatos com importadores.
Os projetos visam justamente atender a esta turma e vinham mostrando
bons resultados, principalmente no governo Temer, quando a agência foi
ocupada pelo embaixador Roberto Jaguaribe. Ela tem sido fundamental para
incrementar negócios nas áreas de tecnologia, têxteis, cerâmica, cinema
e outros setores da economia brasileira.
Diante da insubordinação dos dois diretores, Vilalva decidiu
contratar o general Roberto Escoto, que já chefiou missões
internacionais, para botar ordem no seu “jardim de infância”, enquanto
ele tentava tocar os negócios. Não funcionou.
Percebendo que poderia ter que se subordinar às decisões do
presidente da Apex, Catel pediu ao ministro das Relações Exteriores que
mudasse o estatuto da agência. O que foi feito.
Sem o conhecimento de Vilalva, Araújo protocolou um novo estatuto num
cartório de Brasília estabelecendo que os diretores de Negócios e de
Gestão corporativa não teriam que se subordinar ao presidente da
entidade.
E mais. Pelo documento, ficou acertado que o novo estatuto teria que
ser aprovado pelo conselho deliberativo da Apex, formado por cinco
representantes do setor público e quatro do setor privado, sem fixar
data para que o estatuto seja examinado. Ou seja, os dois diretores
podem se manter infinitamente nessa situação de independência em relação
à presidência da Apex. “Eles são livres e sem restrição para fazer as
loucuras que quiserem”, protestou o embaixador.
Depois disso, as relações entre Vilalva com os dois diretores ficaram
insustentáveis. “A Letícia é protegida do chancelar. Faz o que quer
aqui. É uma relação pessoal que não conseguimos entender”, me disse um
antigo funcionário da agência, inconformado com a situação. No começo
dessa semana, embaixador deu várias entrevistas à imprensa, onde não
poupou o chanceler.
Chamou Ernesto Araújo, entre outras coisas, de desleal, por não o ter
comunicado do novo estatuto, do qual ele tomou conhecimento através a
imprensa, vinte e cinco dias após ter sido protocolado no cartório.
No fim da tarde dessa terça-feira, o Itamaraty soltou nota
justificando a demissão de Vilalva. Na nota, o ministério afirma que o
“ministro das Relações Exteriores, embaixador Ernesto Araújo anuncia a
exoneração do embaixador Mario Vilalva da presidência da Apex”, como
parte do “processo de dinamização e modernização do sistema de promoção
comercial brasileiro.”
O ministro, diz a nota, agradece a colaboração do embaixador. O
Itamaraty não respondeu, contudo, as acusações relatadas à piauí pelo
embaixador. Procurada, Letícia Catel também não se manifestou.
A Apex tem sido alvo de confusão desde antes da posse de Araújo. Ele
teve um embate com o ministro da Economia, Paulo Guedes, que queria
levar a agência para o seu ministério, sob a alegação de que a promoção
comercial tem muito mais a ver com a economia do que com o Itamaraty.
Araújo bateu pé e conseguiu do presidente Bolsonaro a garantia de que
agência continuaria onde estava. Para boa parte dos empresários e de
integrantes de ministérios preocupados em promover as vendas de produtos
brasileiros, como o da Agricultura e o de Desenvolvimento, parece cada
vez mais claro que seria muito melhor para o comércio exterior
brasileiro que a agência deixasse o “jardim de infância” e fosse para a
sala dos adultos.
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