Enquanto os chefes dos poderes legislativo e judiciário se comportarem como crianças amedrontadas, que se escondem com medo de trovão, reagindo timidamente às agressões do presidente Bolsonaro, o Brasil avança num caminho sem volta para uma ditadura. As ameaças são antigas, começando antes mesmo do capitão tomar posse no Palácio do Planalto, quando um dos seus filhos disse que só precisaria de um cabo e um soldado para fechar o Supremo Tribunal Federal. E depois o mesmo filho acenou com um ato institucional igual ao AI-5, criado pela ditadura militar, para fechar o Congresso. Nos dois casos o “garoto” que queria ser embaixador provavelmente cumpriu ordens do pai, lançando balões de ensaio para medir a reação do Parlamento e da Suprema Corte. Ninguém reagiu à altura, com os presidentes da Câmara dos Deputados e do STF divulgando notas tão acovardadas que beiravam a um pedido de desculpas. Diante disso, Bolsonaro se sentiu encorajado a prosseguir em sua estratégia para enfraquecer o Parlamento e o Judiciário, criando uma situação ideal para materializar o seu projeto ditatorial.
O comportamento de Maia e Tófolli, após um ano, não mudou nada diante do novo ataque de Bolsonaro à democracia. Suas notas açucaradas, à guisa de resposta à convocação do presidente para uma manifestação popular pelo fechamento do Congresso e do Supremo, devem ter sido motivo de risos do capitão e sua tropa que, obviamente, já devem ter percebido que eles estão tremendo de medo. Afora a oposição, que cumpre também timidamente o seu papel protestando contra a atitude de Bolsonaro, a reação mais contundente foi do decano da Suprema Corte, ministro Celso de Mello, que chegou a enquadra-lo em crime de responsabilidade. O PT anunciou que vai pedir o seu impeachment, assim como o deputado Alexandre Frota, mas quase ninguém acredita que o processo chegará ao plenário da Câmara, porque o seu presidente, Rodrigo Maia, dificilmente aceitará o pedido, assim como fez quando tentaram afastar Michel Temer. Ele tem arquivado todos os pedidos de impeachment porque, embora às vezes faça pose de oposição, na verdade é o maior aliado do governo no Legislativo. Aliás, Maia é sempre governo, não importa quem seja o governante. Na verdade, se depender de Maia e Alcolumbre e do ministro Dias Tóffoli, não haverá nenhuma reação à altura da gravidade da ameaça ao estado democrático de direito. O presidente do Senado inclusive está buscando negociar com o capitão para, segundo noticiado, esfriar a manifestação do dia 15 de março, o que, na realidade, não passa de um “pedido de penico”. Bolsonaro, que é quem deveria procurar reaproximar-se do Congresso, ao contrário do que espera Alcolumbre, deverá endurecer, com ações mais radicais, a campanha contra o Parlamento e o Supremo ou, mais precisamente, contra a democracia, porque já sentiu que os chefes dos outros poderes estão atemorizados. E nem precisará convocar o povo às ruas, bastando intensificar o trabalho da sua fábrica de fakenews, que imbecilizou parte da população, e mobilizar seus seguidores que, segundo ele, já são mais de 35 milhões. Imitador de Donald Trump, que se elegeu usando as redes sociais como um poderoso meio de comunicação, o capitão esnobou e acuou a imprensa, agredindo jornalistas e recusando-se a falar. Consciente do poder da internet, usa o twitter para dar seus recados e anunciar medidas do governo, e toda a imprensa fica atenta às suas postagens, correndo atrás dele.
Observa-se que três dias após o apoio explícito do presidente à manifestação contra o Legislativo e o Judiciário o assunto foi perdendo força e sendo esquecido por todo mundo, sem nenhuma ação concreta, o que, aliás, já está virando rotina. Constata-se, assim, que as maluquices, grosserias e ameaças de Bolsonaro passaram a ser encaradas com naturalidade e quase ninguém mais se assusta ou se indigna com ele. A imprensa, uma leoa na fiscalização aos governos de Lula e Dilma, escandalizando em manchete qualquer coisa que pudesse desmoralizá-los, hoje não passa de um gatinho que mia timidamente diante das loucuras do presidente. Às vezes, em seus editoriais, endurece um pouco, mas no final acaba contemporizando. E o capitão, despreocupado quanto a qualquer ação destinada a defenestrá-lo do Planalto, vai levando o seu governo de barriga, destruindo aos poucos tudo o que foi construído antes dele, sob o olhar complacente da mídia e dos outros poderes, que fazem o seu jogo. Agora mesmo o corregedor do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins, determinou a abertura de inquérito contra o juiz do Trabalho Rui Ferreira dos Santos, simplesmente por ter criticado a atitude de Bolsonaro apoiando o fechamento do Congresso e STF. Martins, o mesmo ministro que tem arquivado ações contra Moro, nunca se preocupou com as agressões a Lula e Dilma.
E por falar em Moro, o ministro da Justiça, com o apoio da mídia, tem se fingido de morto para não ter de se posicionar diante da atitude do seu chefe, embora todos saibam que ele não apenas endossa os seus atos como, também, o defende de qualquer crítica. Na verdade, como ministro da Justiça o ex-juiz tem sido um feroz cão de guarda do presidente, usando a estrutura policial do ministério para correr atrás de qualquer um que ouse chamar Bolsonaro de feio. Ignorando o papel constitucional do Ministério da Justiça, ele invocou uma lei da ditadura militar, a Lei de Segurança Nacional, para tentar levar Lula de volta à prisão, para intimidar o jornalista Glenn Greenwald, o porteiro do condomínio do capitão e, também, os promotores da festa punk “Facada Fest”, porque todos criticaram o presidente. Em contrapartida omitiu o nome do miliciano Adriano da lista de procurados da PF e até hoje não moveu um músculo contra as milícias digitais que atacam os adversários do capitão. Esperto, matreiramente ele se manifestou sobre o motim no Ceará dizendo que a greve é ilegal mas “os policiais não podem ser tratados como bandidos”, buscando com isso conquistar a simpatia da classe policial. Até onde se sabe, os policiais cearenses não foram tratados como bandidos, embora usando máscaras e atentando contra a vida de um senador da República. Contando com a blindagem da mídia, que o poupa de críticas, Moro fica invisível nas crises para não ser lembrado e muito menos questionado por jornalistas. Essa mesma mídia, que o pariu, em especial a Globo, se esforça para protegê-lo, provavelmente acreditando que ele possa vir a ser uma opção para o futuro.
O fato é que o Legislativo e o Judiciário nunca reagiram no mesmo diapasão como poder, em sua própria defesa e em defesa da democracia, contra os ataques de Bolsonaro. As tímidas reações não passaram de palavras escolhidas, que o vento levou e nada mudou. E ao que tudo indica a situação hoje também não sofrerá nenhuma alteração, até porque os envolvidos na convocação para a manifestação do dia 15 são ligados de alguma maneira ao governo, o maior interessado em sua realização. O vice-presidente Hamilton Mourão tentou minimizar o episódio, negando qualquer intenção ditatorial, mas admitiu que o mar não está tranquilo. Ninguém pode prever o que vai acontecer no dia 15 e depois dele, mas não é difícil vislumbrar-se nuvens negras no horizonte, com uma conjunção de fatores – como o motim dos policiais cearenses, o péssimo desempenho da economia e a perícia nos celulares de Adriano – que podem desencadear uma tempestade com raios e trovões, considerando o ânimo de parte da população e a decepção dos empresários com a política de Guedes. E, também, não se deve esquecer que a fraqueza dos poderes legislativo e judiciário num regime democrático, como se observa hoje no Brasil, é um poderoso estímulo para os delírios antidemocráticos.
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