A decisão do ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), favorável à liberação de cultos e missas presenciais vem na contramão das exigências de ampliação do distanciamento social, no momento mais grave da pandemia do novo coronavírus. Ocorre que a decisão monocrática (isolada) de Nunes Marques afronta princípios de Estado laico, pois decisões de poderes não podem ser justificadas por motivação religiosa. Viola também decisão do pleno do STF (unânime), que assegura competência de estados e municípios para adotar medidas restritivas conforme a gravidade das realidades locais. E desafia, ainda, recomendações de autoridades científicas de que o Brasil precisa adotar medidas restritivas mais rigorosas para combater o aumento das contaminações e mortes decorrentes da covid-19.
Nunes Marques foi o primeiro integrante do STF indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, e sua decisão ocorre no pior cenário desde o início da pandemia. Além disso, vem também num momento em que a popularidade de Bolsonaro despenca. Levando-se em conta que algumas das principais bases de apoiadores de Bolsonaro estão nos setores conservadores das igrejas, tantos católicas quanto evangélicas, a medida favorece a presença de público ante líderes religiosos com discurso bolsonarista. E ao mesmo tempo deve socorrer o caixa das igrejas, abalado pela ausência dos fiéis habituados a contribuir financeiramente quando comparecem aos cultos e missas. Mas, por outro lado, pode agravar a situação próxima do colapso em grande parte das regiões do país. Isso porque amplia o risco tanto de uma pessoa se contaminar quanto de causar transmissão comunitária.
Para se ter ideia, o procurador-geral da República, Augusto Aras – também indicado por Bolsonaro – manteve encontros com líderes evangélicos no início de março. Ao pastor Silas Malafaia e ao bispo Abner Ferreira, Aras teria apoiado a abertura de igrejas, contra as restrições impostas por governadores e prefeitos. O que Nunes Marques. com a liberação liminar de cultos e missas, fez foi pôr em prática, por decisão liminar (provisória), a opinião dos pastores. E também a de Aras e do advogado-geral da União, André Mendonça.A liminar concedida por Nunes Marques causou reação imediata do prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil. “Em Belo Horizonte, acompanhamos o plenário do STF (sobre o poder de estados e municípios regularem as restrições locais). O que vale é o decreto do prefeito. Estão proibidos os cultos e missas presenciais”, afirmou Kalil.
A Frente Nacional de Prefeitos também reagiu, e cobrou do STF manifestação pública. O presidente da frente, Jonas Donizette, pediu que o presidente do Supremo, Luiz Fux, esclareça o imblóglio criado por seu colega de Corte e defina qual norma deve ser seguida. “A decisão do plenário (unânime) que determinou que os municípios têm prerrogativa de estabelecer critérios de abertura e fechamento das atividades em seus territórios, ou essa liminar?”
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