Com a declaração estampada na capa da Veja, "o que Bolsonaro tenta passar é parte do roteiro do próprio blefe", diz Moisés Mendes, do Jornalistas pela Democracia. "O recado é exatamente este: fazer acreditarem que ele ainda poderia aplicar o golpe. Não pode"
Vamos imaginar, com outros temas e em outras situações, as frases de Bolsonaro, na entrevista à Veja, com a garantia de que não dará um golpe e não vai melar a eleição do ano que vem.
Imaginemos que ele dissesse também que a família não irá mais se envolver com milicianos. E que a partir de agora desistirá de vender cloroquina, porque está na cara que o remédio é um mau milagre e um mau negócio.
Bolsonaro causaria espanto se anunciasse que a família viverá de acordo com as leis e que ele desistiu de ser o que é. Mas a notícia de que ele não aplicará um golpe é recebida com certa naturalidade.
Parece normal que Bolsonaro possa decidir se haverá golpe ou não. Não só que não se envolverá com um golpe, como já está conformado com a urna eletrônica. Para Bolsonaro, como os militares participarão de estudos do TSE que reforcem o processo eleitoral, isso lhe dá segurança.
Bolsonaro trata o país todo como uma nação de imbecis, mesmo que tudo que defende não resulte em apoios.
Ele é contra a vacina, e o Brasil é um dos países em que a população mais acredita na vacina e quer se vacinar.
Bolsonaro, seus ministros e os filhos andam sem máscara. Os brasileiros querem usar e defendem o uso de máscara.
Bolsonaro tenta minar as instituições e a democracia, e a grande maioria se declara defensora da democracia. São posições majoritárias e categóricas que aparecem nas pesquisas do Datafolha.
O brasileiro não quer tomar cloroquina, não quer correr riscos com as pregações negacionistas de Bolsonaro, não aceita o golpe e não quer reeleger Bolsonaro.
Mas Bolsonaro continua dando entrevistas para dar a entender que ele tem o poder de decidir se haverá golpe ou não. Esse é o sentido da sua declaração.
Ao assegurar que não pretende mais atacar o Supremo, para ter poderes absolutos, Bolsonaro reafirma que, se quisesse, o golpe seria dado a qualquer momento.
E que, se decidisse manter o que vinha ameaçando fazer, iria melar a eleição do ano que vem, se o voto impresso não fosse adotado.
Não surpreende a análise de certa imprensa, segundo a qual ele recua ao admitir que desistiu de ser golpista. O resumo é esse: não sai golpe porque Bolsonaro não quer mais.
É uma bobagem. Bolsonaro fala do golpe porque sabe que não há como aplicar o golpe. O golpe é um blefe há muito soterrado pelas reações do Supremo e até da direita (do Congresso e empresarial) e porque os militares estão certos de que podem produzir milhões de comprimidos de cloroquina por pressão de Bolsonaro, mas não podem segurar um golpe encomendado por ele.
O que Bolsonaro tenta passar é parte do roteiro do próprio blefe. O recado é exatamente este: fazer acreditarem que ele ainda poderia aplicar o golpe.
Não pode. Nem se convocar o Exército da Ucrânia para ajudar o Exército de Braga Netto e nem se decidir entregar todo o Orçamento ao controle total do centrão.
Bolsonaro sobrevive do seu papel de fanfarrão. O sujeito acovardado desde a cartinha com o pedido de trégua a Alexandre de Moraes não seguraria um golpe por uma semana.
Seus seguidores mais fiéis sabem disso. Mas é preciso continuar fazendo o teatro do golpe, como se golpear ou não fosse algo que só dependa da sua cabeça.
É assim que acaba confessando que aplicou um golpe na sua base. O discurso na ONU só enganou trouxas. Bolsonaro não tem, no momento, nada para entregar à extrema direita.
Só tem o que sobrou do blefe. O bolsonarismo vai sendo golpeado pelo Bolsonaro acovardado depois do 7 de setembro.
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