Neste domingo (28), todas as atenções estarão voltadas para as eleições na Turquia. Após um primeiro turno acirrado, o presidente Recep Tayyip Erdogan obteve 49,5% dos votos contra o líder do Partido Republicano do Povo (CHP, na sigla em turco), Kemal Kilicdaroglu, que ficou com 44,9%, O candidato da oposição é o primeiro a ameaçar a permanência de Erdogan no poder — que já dura 20 anos. Apesar do atual presidente chegar no segundo turno em vantagem, sobretudo após o anúncio do apoio do candidato ultranacionalista que ficou em terceiro lugar, Sinan Ogan, nada está decidido nas eleições turcas.
Mas a incerteza sobre o futuro da Turquia não se resume à política interna do país. No plano internacional, quem observa atentamente os desdobramentos da votação é a Rússia.
A Turquia hoje ocupa uma posição singular no contexto da guerra da Ucrânia. O país não aderiu às sanções do Ocidente contra Moscou e exerceu o papel de mediador no conflito, junto à Organização das Nações Unidas (ONU), no acordo sobre a liberação da exportação de grãos. Ao mesmo tempo, a Turquia apoia a integridade territorial da Ucrânia e fornece drones para o país.
Além disso, o país também ratificou a adesão da Finlândia à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), indo na contramão dos interesses russos – o bloqueio à entrada da Suécia na Aliança permanece. Aliás, a questão da expansão da Otan ilustra bem o caráter pragmático da política externa de Recep Erdogan. Com um histórico de boas relações com o presidente russo, Vladimir Putin, o líder turco soube aproveitar a posição de membro da organização militar para aumentar o seu poder de barganha.
A hesitação em aprovar a candidatura dos países nórdicos à Aliança do Atlântico Norte foi justificada pelo suposto apoio que ambos os países oferecem ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão, o PKK. O grupo luta pela autonomia dos curdos na Turquia e é classificado como organização terrorista pelo Estado turco, EUA e União Europeia.
Em recente entrevista à CNN, divulgada no último sábado (19), Erdogan reforçou as boas relações com a Rússia e a oposição às sanções do Ocidente.
“Não estamos em um ponto em que imporíamos sanções à Rússia como o Ocidente fez. Não estamos sujeitos às sanções do Ocidente. Somos um Estado forte e temos uma relação positiva com a Rússia [...] Rússia e Turquia precisam um do outro em todos os campos possíveis”, afirmou.
Relações entre Putin e Erdogan
Analistas têm consenso sobre o caráter “personalista” da atual interação entre Rússia e Turquia. Para o diretor do Centro Russo para o Estudos da Turquia, Yuri Mavashev, hoje as relações entre Moscou e Ancara são, na verdade, as relações entre Putin e Erdogan. “Alguém pode considerar que esse é o ponto forte das nossas relações, mas eu não acho, considero que é o ponto fraco, pois isso diz sobre a não maturidade da interação, pois no primeiro momento em que um dos líderes sair do poder, as relações são prejudicadas”, diz ele em entrevista ao Brasil de Fato.
Mavashev comenta que é compreensível a lógica muito disseminada na mídia russa de que uma eventual mudança de governo da Turquia pode desestabilizar a importante parceria entre Putin e Erdogan.
“O Kremlin realmente tem medo de que a oposição chegue ao poder, com quem terá que negociar quase tudo do zero. Talvez não totalmente, tem o gasoduto turco, alguma coisa deve se manter. Mas as regras do jogo terão que ser negociadas e acordadas do zero”, analisa.
Ao mesmo tempo, o diretor do Centro Russo para os Estudo da Turquia corrobora com a ideia de que é errônea a percepção tão polarizada das eleições turcas em relação à Rússia.
“A questão é que nos encontramos em uma interessante bolha informacional, fomentada também pela mídia russa, que emprega muitos esforços para considerar e classificar Erdogan como pró-russo e o seu oponente como anti-Rússia e pró-Ocidente”, afirma.
“É preciso lembrar da entrada da Finlândia na Otan. Quem assinou os documentos sobre o ingresso da Finlândia na Otan? Nenhum deputado votou contra, nenhum, nem do partido do governo, e alguns deles poderiam ter votado para pelo menos demonstrar aos EUA e à Otan que a Turquia tem uma posição singular, isso poderia ser feito. Mas veja que não, todos votaram por unanimidade, e Erdogan assinou, não foi a oposição”, argumenta.
O líder da oposição, Kemal Kilicdaroglu, por sua vez, tem mostrado cautela em se posicionar sobre política externa, mas já mostrou inclinação para melhorar a relação com o Ocidente, buscando romper com a diplomacia personalista de Erdogan e redirecionar a relação com Moscou para ser “orientada pelo Estado”.
Posicionamento de candidatos sobre a Rússia
Nas vésperas do primeiro turno, ele chegou a acusar a Rússia de interferir nas eleições do país através da disseminação de conteúdo falso favorável ao atual presidente. “Queridos amigos russos, vocês estão por trás das montagens, conspirações, conteúdo falso profundo e fitas que foram expostas neste país ontem […] Se você deseja a continuação de nossa amizade depois de 15 de maio, tire as mãos do Estado turco”, disse Kemal no Twitter.
Ao mesmo tempo, o candidato da oposição também demonstrou ambiguidade e acenou que quer desenvolver uma relação positiva com Moscou e ter uma relação amigável com Putin. É o que aponta o Jornalista especialista em Oriente Médio, Ruslan Suleimanov. Ao Brasil de Fato, ele afirma que, em caso de uma vitória de Kilicdaroglu, ele não deve “rever significativamente as relações com a Rússia, mesmo com toda a pressão, que com certeza virá da Otan, dos países do Ocidente”.
“Eu não espero muitas mudanças nas relações entre Rússia e Turquia, nem no caso de vitória de Erdogan, nem do Kilicdaroglu”, afirma. De acordo com o analista, certa estabilidade nas relações deve se manter sobretudo por conta da parceria econômica entre os dois países.
No final de 2022, a Rússia tornou-se o principal exportador para a Turquia, ultrapassando a China. O volume das exportações russas totalizou US$ 58,8 bilhões - um aumento de 103% em relação a 2021, segundo o serviço de estatísticas da Turquia. A incógnita que fica é o grau de aproximação que um possível novo governo da Turquia pode ter com o Ocidente. Segundo o Ruslan Suleimanov, o Ocidente quer ver um presidente previsível.
“Nesse sentido, Kilicdaroglu indica que pretende desenvolver as relações com o Ocidente sem prejudicar as relações com a Rússia. É claro que haverá uma pressão sobre Kilicdaroglu se ele for presidente. É claro que ele pode ser inclinado a adotar certas restrições, sanções, em relação à Rússia. Mas eu não compartilho da ideia de que ele pode adotar uma mudança radical em se juntar às sanções à Rússia.
Edição: Patrícia de Matos
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