Os "diários da prisão" de Carla Ubarana não constituem uma narrativa
linear. Ao longo de 23 páginas ela faz considerações sobre seis
desembargadores do TJRN, algumas bastantes fortes e relacionadas a
pagamentos com recursos desviados dos precatórios. É o caso dos
desembargadores Osvaldo Cruz - "O presidente Osvaldo assinava cheque,
nos depositávamos em nossa conta, sacava e depois : (sinal de divisão)"
- e Rafael Godeiro - "Rafael Godeiro ciente de como funcionava,
recebia o dele em mãos após sacar em guias todas assinadas por Rafael
Godeiro e João Cabral (sec)".
Nos "diários", Carla Ubarana faz longas anotações sobre a
desembargadora Judite Nunes, atual presidente do TJRN, afirmando que ela
não foi desonesta, mas omissa. "Houve omissão de Judite nas guias que
ela mandava assinar em branco p/ "quando" fosse necessário" - anotou
Carla.
O esquema da fraude é revelado nos "diários" de Carla com uma
clareza desconcertante pela "simplicidade" com que as fraudes eram
operadas. Na definição da própria Carla: "o que fazíamos era comprar e
vender. Mais ou menos em janeiro, (palavra ininteligível) eu sabia q o
dinheiro do estado ia começar a em junho então seguindo a ordem
cronológica por ex. o 1º valia 140.000, oferecíamos por este em jan. 40
mil e em julho a planilha normal de 140; 100 seria o ganho liquido."
Pela primeira vez se tem notícia do papel da empresa Gles
Empreendimentos, de propriedade de George Leal, marido de Carla, na
operacionalização dos desvios. A Gles era quem "comprava" os precatórios
antes da data de pagamento real, disponibilizando a quantia necessária
para a oferta menor aos beneficiários. Do valor real pago, depois, a
Gles era reembolsada pelo investimento feito. A diferença, dividida
entre os laranjas e os outros envolvidos no esquema das fraudes. Para
acelerar o processo, o dono do precatório aceitava a proposta,
provavelmente pensando se tratar de uma negociação oficial. Não era.
Além das "compras" antecipadas de precatórios por valores mais
baixos, o esquema também funcionava com outros tipos de fraudes. Nos
"diários" existem anotações de Carla sobre a participação de juizes do
interior e de advogados. Nenhum desses é nomeado por ela que, em
determinados trechos afirma: "juízes mandavam o mesmo precatório 2 3 x
para pagar" - "advogado cobrava 2 x o mesmo e confirmava q ñ tinha
recebido".
Também há referências sobre a quebra na ordem de pagamentos dos
precatórios, fixada em uma lista única desde a unificação dos pagamentos
que eram feitos pela Justiça do Trabalho e pela Justiça Federal. Está
nos "diários": Quebra ordem: juizes pagando no interior sem observar
ordem, juizes pagando no interior de forma parcial sendo todo o crédito
do autor", seguida da observação que "presidente foram informados".
Em muitos trechos, o diário traz referências em símbolos, como o
de divisão, e também abreviaturas de nomes como "mandado de segurança",
"desembargadores", etc. e erros gramaticais.
Como publicado ontem pela TRIBUNA DO NORTE, Ubarana admite ter
ficado com algo entre 20% e 30% dos desvios. O resto foi para os outros
beneficiados. O casal diz ter embolsado cerca de R$ 6 milhões - há
notícias de que o valor seria maior - o que resultaria em algo entre R$
20 milhões e R$ 30 milhões desviados.
Negociação não contava com PGE
Uma das citações do diário de Carla Ubarana evidencia o procedimento de
não contar com a Procuradoria-geral do Estado nas negociações para
pagamentos de precatórios. Essa informação já havia sido noticiada, com
exclusividade, pela TRIBUNA DO NORTE ainda no início das investigações.
Miguel Josino, à época, informou que um processo de precatório do Idema
foi negociado sem a presença de um procurador. É exatamente isso o
que a ex-chefe do setor de precatórios relata na página quatro do
diário.
No trecho referido, Ubarana faz uma coluna com o nome
"Audiências". Lá, cita quem costumava estar presente nessas audiências:
"Juiz - Ok Parte - Ok PGE - Não PGM - Ia ok PJ - Ok", mostra o diário de
Carla. As negociações são um passo comum em qualquer processo de
precatório. Só depois de esgotada qualquer possibilidade de diminuição
do tempo de espera para pagamento e do valor é que o processo segue para
pagamento. Contudo, segundo Miguel Josino declarou à época, a presença
de um procurador do Estado é indispensável.
Um acordo para pagamento de precatório realizado entre os
servidores do Idema e o Estado do Rio Grande do Norte chamou a atenção
da Procuradoria-geral do Estado em fevereiro. Os procuradores iniciaram à
época uma checagem dos pagamentos feitos pelo Governo no período de
2007 a 2011. O acordo de cerca de R$ 6 milhões foi realizado sem a
participação da Procuradoria. Como o processo rotineiro de acordo para
pagamento de precatório conta com a intermediação de um procurador do
Estado, Josino classificou o procedimento como "irregular".
Advogados afirmam não conhecer diário
Os advogados Marcos Aurélio Santiago Braga e José Maria
Rodrigues Bezerra, defensores de Carla Ubarana e George Leal, estiveram
ontem à tarde na sede da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público.
Após uma breve conversa com o promotor Flávio Pontes, eles deixaram o
prédio negando conhecer o conteúdo do "diário" de Carla Ubarana, além
das folhas avulsas com escritos dela e do marido George Leal,
supostamente confeccionados enquanto ambos estiveram albergados no
sistema prisional comum.
A diretora do Pavilhão Feminino do Complexo Penal Dr. João
Chaves, Dinorá Simas, confirmou que Carla Ubarana passava a maior parte
do tempo em que esteve detida na unidade escrevendo em um caderno. Dos
28 dias em que permaneceu recolhida no sistema prisional comum, a
servidora do Tribunal de Justiça só saiu da cela para tomar banho de sol
com as demais presas. A ex-colega de cela de Ubarana, Lourdes Cañada,
confirmou em entrevista à TRIBUNA DO NORTE publicada no dia 25 de março
passado, que Carla temia pela própria vida e repassava as informações
que tinha em mente para um caderno e folhas de papel ofício.
Desembargadores x fraudes
O que Carla Ubarana disse de desembargadores no diário:
Rafael Godeiro:
"Rafael Godeiro, ciente de como funcionava, recebia o dinheiro em mãos
após sacar em guias, todas assinadas por Rafael Godeiro e João Cabral
(sec), não queriam nem saber quem era o beneficiário o que importava era
o fim"
Osvaldo Cruz:
"O presidente Osvaldo assinava cheque, nós depositávamos em nossa conta,
sacava e depois dividia. E os valores foram crescente até porque chegou
o dinheiro do RPV e muito dinheiro sem dono"
Judite Nunes:
"Houve omissão de Judite nas guias. Ela mandava assinar em branco para quando fosse necessário"
Caio Alencar:
"Des. Caio Alencar - pesos e medidas diferentes"
Zeneide Bezerra:
"Esposo da des. Zeneide solicita pagamento do mesmo precatório duas vezes"
João Rebouças:
"Quero colocar também a omissão do presidente da Comissão dos Precatórios, des. Rebouças"
Fonte: Tribuna do Norte
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