José Maria Marin, ex-presidente da CBF (Confederação Brasileira de
Futebol), foi preso em Zurique (Suíça) na última quarta-feira (27).
Marco Polo Del Nero, sucessor dele e atual mandatário da entidade,
deixou o país europeu na quinta (28), desistiu de participar da eleição
presidencial da Fifa e retornou ao Brasil, onde terá de lidar com a
repercussão do escândalo que explodiu após ação liderada pelo FBI
(polícia federal dos Estados Unidos). Enquanto isso, um senhor de olhos
claros e voz mansa falava com jornalistas, circulava entre políticos e
tentava articular a gestão de crise na instituição que comanda o futebol
nacional. Menos de oito meses depois de ter tentado levar Marina Silva à
presidência da República, Walter Feldman, 61, transformou-se em grande
escudo da CBF.
Com a prisão do primeiro vice-presidente e o envolvimento do atual
mandatário – Del Nero não foi indiciado ou citado nominalmente nas
investigações, mas está entre os suspeitos de conspirações envolvendo
Copa do Brasil e Copa América –, coube a Feldman a articulação da CBF em
um dos momentos mais conturbados da história da entidade. Tudo isso
para um dirigente que trabalha oficialmente na entidade há apenas um mês
– convidado pelo novo presidente para ser secretário-geral da entidade,
ele oficializou o acordo em dezembro de 2014, mas assumiu apenas no
início do novo mandato, no dia 16 de abril.
"Conversei com parlamentares. Fui parlamentar. Sei como funcionam essas coisas", explicou Feldman em conversa com o UOL Esporte.
Feldman é médico formado pela Unifesp (Universidade Federal de São
Paulo) e começou na vida pública em 1983, quando foi eleito vereador em
São Paulo. Em dois mandatos, seguiu na Câmara Municipal até 1992 (como
membro do PMDB no primeiro, e depois inscrito no PSDB, além de ter
passado pelo PCdoB).
No PSDB, Feldman foi eleito deputado federal e recebeu em 1998 uma
indicação para ser líder da Casa Civil na gestão do governador Mário
Covas. Ocupou entre 2000 a 2002 a presidência da Assembleia Legislativa.
Eleito deputado federal em 2002, Feldman assumiu em 2005 a coordenação
de subprefeituras no governo de José Serra em São Paulo. Dois anos
depois, tornou-se secretário de Esportes, Lazer e Recreação do Estado,
cargo que ocupou até 2011.
Depois de sair da secretaria, Feldman foi convidado pelo então prefeito
Gilberto Kassab a ocupar a Secretaria Especial de Articulação em
Grandes Eventos, criada para acomodá-lo com um salário de R$ 12 mil e a
missão de viajar ao exterior a fim de conhecer a estrutura montada para
competições esportivas de grande porte.
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CULPADO:
Charles Chuck Blazer (70, EUA) é ex-secretário-geral da Concacaf.
Trabalhou também no comitê executivo da Fifa, como representante dos
EUA. Em novembro de 2013, declarou-se culpado em outra fase deste caso,
por conspiração, fraude e lavagem de dinheiro, entre outros. Ele já
devolveu US$ 1,9 milhão, e ainda terá de pagar mais, quando for
determinada a sentença Leia mais AP
A mudança para Londres aconteceu em maio de 2011 e coincidiu com uma
alteração na rota política de Feldman. Ele deixou em abril o PSDB, mas
dirigentes do partido o acusam, segundo reportagem da "Folha de S.Paulo"
de ter iniciado três anos antes, ainda na legenda, um plano de
articulação para criação do partido Rede Sustentabilidade em torno da
imagem de Marina Silva.
No início, ainda de acordo com a "Folha de S.Paulo", correligionários
de Marina foram resistentes a Feldman. Mas ele tinha apoio da
ex-senadora, e isso ficou ainda mais claro em outubro de 2013, quando a
Rede não conseguiu registro. De forma taxativa, o ex-tucano prometeu
acompanhá-la em qualquer lugar. Ganhou assim a confiança plena da
posterior candidata à presidência da República pelo PSB.
Feldman foi coordenador de campanha de Marina e fez grande parte da
articulação política em torno da candidatura dela. Com isso, acumulou
capital a ponto de ter sido citado pelo jornal "O Globo" em fevereiro de
2014 como pré-candidato ao governo de São Paulo e por diversas
publicações nos meses seguintes como o mais forte candidato a ocupar a
Casa Civil em caso de vitória da ex-senadora.
Ainda em fevereiro, Feldman despediu-se da Câmara dos Deputados. Eleito
quando ainda era do PSDB, ele decidiu pedir uma licença até o fim do
mandato, em fevereiro de 2015, por considerar que seria "constrangedor"
exercer o cargo como membro do PSB, partido com visão antagônica.
Esse é outro ponto que mostra o poder de articulação de Feldman. O
atual secretário-geral da CBF passou por partidos como PCdoB, PMDB, PSDB
e PSB, tentou estruturar a Rede e ainda flertou com o PSD.
Em meio a essa mudança, Feldman conseguiu se posicionar como crítico do
PSDB, partido que ajudou a fundar. "O PSDB hoje é incapaz de se
constituir como partido de oposição, de se renovar e de compreender a
derrota eleitoral. O PSDB hoje está preso a um projeto de poder, precisa
retomar seus rumos e refazer suas práticas orgânicas", afirmou em 2011
em entrevista ao UOL. Meses depois, porém, na contramão
dos defensores da dicotomia política das redes sociais, ele também
disparou contra o PT: "Todo esse cinismo não é surpresa. O PT é o
partido dos dois discursos, adota aquele que mais se adapta ao momento.
Na oposição, era um. No governo, é outro".
A ascensão de Feldman à secretaria-geral da CBF tem a ver com esse
perfil. Trata-se de um profissional com excelente trânsito no meio
político, algo que ficou claro nos últimos dias, e que consegue adaptar
críticas e discursos a cada situação. "Queremos que haja investigação. É
até bom para a CBF. Eu mesmo falei com o ministro da Justiça hoje
[quinta-feira], em Brasília. Estamos à disposição para responder a
qualquer pergunta", discursou.
Também foi Feldman o interlocutor procurado por Del Nero para conversar
quando o escândalo da Fifa explodiu. Em meio a um escândalo que tem
colocado as principais lideranças do futebol nacional em xeque, o
cartola maleável tem conseguido se adaptar mais uma vez.