Para advogados, STF curvou-se à opinião pública ao antecipar cumprimento de pena

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Criminalistas já se movimentam contra a decisão do Supremo Tribunal Federal que liberou a aplicação da pena de prisão depois que condenações criminais sejam confirmadas em segundo grau. O novo entendimento foi proferido nesta quarta-feira (17/2), por 7 votos a 4. Advogados ouvidos pela revista Consultor Jurídico dizem que o novo entendimento viola a presunção da inocência com o objetivo de atender à opinião pública.
Para Alberto Zacharias Toron, o resultado é “duplamente desolador”. “Primeiro porque, a pretexto de se interpretar a Constituição, negou-se vigência a uma garantia do cidadão. Ao invés de lermos que não se presume a culpa até o trânsito em julgado, agora devemos ler que não se presume a culpa até o julgamento em segunda instância. Se o Constituinte errou, pior para ele. Mudar a regra constitucional, nem pensar. O Supremo faz isso sozinho, tiranicamente”, declarou.
“O mais grave, porém, é ouvir que se está atendendo a um reclamo da sociedade. Se é assim, não precisamos nem do Direito e muito menos dos tribunais. Se for para ouvir a voz das ruas, basta o ‘paredão’ do Big Brother Brasil ou do Fidel”, disse Toron, em referência a um trecho do voto do relator. Segundo o ministro Teori Zavascki, é preciso “atender a valores caros não apenas aos acusados, mas também à sociedade”.
O advogado Fernando Hideo Lacerda, professor de Direito Penal e Processual Penal, concorda e afirma que ao atender o que julga ser a opinião pública, o Supremo “busca um lugar indevido sob os holofotes”. “O mais sintomático, nessa época em que as garantias individuais estão sendo lavadas a jato pela espetacularização do processo penal, é ouvir de um ministro que a mudança na jurisprudência é para ouvir a sociedade”. Ele considera óbvio, pela leitura do artigo 5°, inciso LVII, da Constituição que a privação da liberdade deveria aguardar o julgamento dos recursos cabíveis.
Em 2010, aliás, o Plenário do STF decidiu que a Constituição é literal ao dizer, no inciso LVII do artigo 5º, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, conforme acórdão relatado pelo ministro Eros Grau, hoje aposentado.
O advogado e professor Lenio Luiz Streck, colunista da ConJur, aponta que houve “um giro total” da corte em relação à jurisprudência anterior. Ele afirma que a Constituição é clara ao garantir a presunção da inocência. “Sou insuspeito para falar sobre isso, uma vez que venho pregando, dia a dia, o cumprimento da Constituição, doa a quem doer. Já fui acusado até de originalista. O texto da Constituição tem de valer. Acho que o Supremo Tribunal deveria ter deixado que o texto da Constituição falasse.”
O advogado Celso Vilardi afirma que a mudança é “lamentável”, pois não faz sentido que o tribunal altere posição definida em julgamento ainda recente. Ele discorda de outro fundamento apresentado pelo ministro Teori Zavascki: o de que a prisão é possível porque a fase de análise de provas e de materialidade se esgota em segundo grau. Vilardi diz que, embora não haja julgamento de matéria de fato, vários casos já sofreram mudanças significativas após análises de recursos extraordinários (no STF) e especiais (no Superior Tribunal de Justiça).
Guilherme San Juan Araujo apresenta posicionamento semelhante: “A decisão do STF está em dissonância com a carta garantista de 1988, ao passo que viola o princípio da presunção de inocência, tão duramente conquistado. Importante que lembremos que não são poucos os casos em que o Superior Tribunal de Justiça e STF reformam total ou parcialmente decisões penais condenatórias. O prejuízo que será trazido com o novo marco será irreparável nesses casos.”
O criminalista Bruno Rodrigues lembra que, conforme pesquisa da FGV Direito Rio em 2014, 8,27% dos Habeas Corpus e Recursos em Habeas Corpus foram concedidos pelo STF entre os anos de 2008 a 2012, enquanto no STJ o número de processos aceitos foi de 27,86%.
“Se forem realizadas pesquisas sobre a reforma de acórdãos nos recursos especial e extraordinário vamos verificar que um grande número também sofre reforma, não importando neste momento qualquer resposta à sociedade quando o tema tratado é a liberdade de um cidadão”, afirma. E acrescenta que “mais vale aguardar o trânsito em julgado do que privar um inocente a cumprir a pena ou um apenado cumprir pena maior ou em regime mais grave do que o que vier a ser condenado ao final do processo.”
Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil também cita o alto índice de reforma de decisões de segundo grau pelo STJ e pelo próprio STF. “Nesse cenário, o controle jurisdicional das cortes superiores mostra-se absolutamente necessário à garantia da liberdade, da igualdade da persecução criminal e do equilíbrio do sistema punitivo.
A OAB afirma ainda que a execução provisória da pena é preocupante “em razão do postulado constitucional e da natureza da decisão executada”, pois, se reformada, produzirá danos irreparáveis a quem for encarcerado injustamente.
O criminalista Marcelo Leonardoavalia que, se um acusado responde ao processo em liberdade por falta de motivos de prisão provisória, o julgamento na segunda instância é motivo insuficiente para mandá-lo atrás das grades. Ele considera ainda que o número de prisões vai aumentar, assim como o número de pedidos de HCs impetrados no STF e no STJ.
Segundo Daniel Bialski, a decisão poderá gerar insegurança jurídica, pois cada juízo emitirá uma sentença diferente, o que aumentará o número de Habeas Corpus impetrados nas cortes superiores. “O aumento vai ocorrer justamente porque o Habeas Corpus é um remédio rápido para solucionar questões urgentes. O constrangimento de ficar preso, uma hora, um dia ou uma semana é algo que marca, que a pessoa nunca esquece.”
Problema carcerário
Para o presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Andre Kehdi, a decisão é extremamente preocupante, pois ignora a questão carcerária no Brasil. “Todos os países que são grandes encarceradores estão reduzindo a população presa, mas o Brasil marcha na contramão da história, determinando que a pena seja cumprida antes de o Estado definir os limites da punição, atropelando o devido processo legal”, critica. “Os ataques ao direito de defesa têm sido feitos constantemente e o Supremo também se curvou à onda do punitivismo exacerbado”, afirma.
“Ouso imaginar que os ministros não pararam para fazer contas [de como isso afetará as prisões]”, diz o presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, Augusto de Arruda Botelho. “O Supremo sempre teve coragem de tomar decisões impopulares. Acho que a perdeu”, afirma.
Pierpaolo Cruz Bottini também aponta a questão prática da decisão: “Respeito a decisão do Supremo Tribunal Federal, mas tenho receio de seus impactos. O Brasil já tem 600 mil presos. Aumentar esse número não resolve o problema e cristaliza injustiças”.
O Movimento de Defesa da Advocacia (MDA) afirma que a decisão do STF é preocupante, pois vai contra uma cláusula imutável da Constituição. A entidade diz ver com “muita preocupação” o recente posicionamento do STF, “violando, assim, o principio constitucional de presunção de inocência, inserido na Constituição da República como clausula pétrea”, declara nota assinada por seu presidente, Rodrigo Castro, e seu diretor de prerrogativas, Pedro de Oliveira.
Ferro e fogo
O juiz Alexandre Morais da Rosa, colunista da ConJur, classifica a mudança de entendimento do STF como “retumbante erro histórico”. “Nós devemos guardar os nomes daqueles que fizeram essa revisão para que a história possa um dia julgá-los como sujeitos que inverteram a lógica de uma democracia construída com ferro e fogo.”
“O que temos hoje é a corte constitucional fazendo uma reforma constitucional para si, visando interesses próprios, no sentido de reduzir o número de recursos, e outros ministros jogando para a torcida, no sentido de atender os conclames da rua. E esse movimento é feito por ministros, do qual se têm respeito, e que, do ponto de vista da história da civilização no tocante ao Direito e Processo Penal, pouco entendem. Raramente nós poderíamos exigir que um ministro dominasse todos os ramos do Direito”, afirma o juiz.
(Consultor Jurídico)