William Bonner, editor-chefe do Jornal
Nacional, telejornal de maior audiência do Brasil. Seu patrão, João
Roberto Marinho, está incomodado com a repercussão internacional do
impeachment
A publicação de um artigo de David Miranda no jornal britânico The Guardian provocou (leia o texto abaixo) forte reação das Organizações Globo.
Por meio de seu vice-presidente, João Roberto Marinho, o grupo Globo
insistiu para que o jornal publicasse uma resposta ao texto, dizendo que
jamais houve apoio ao processo de impeachment contra a presidente Dilma
Rousseff.
O The Guardian tratou a Globo de uma maneira que a emissora não está acostumada no Brasil: com desprezo.
Na ânsia de produzir uma contra-narrativa ao texto do The Guardian,
o poderoso executivo da Globo enviou sua opinião, numa tentativa de
rebater os elementos apontados no jornal britânico. O texto de Marinho,
no entanto, foi relegado à singela caixa de comentários do jornal e não
foi publicado.
Em seu texto “A razão real que os inimigos de Dilma Rousseff querem
seu impeachment”, Miranda apresenta ao mundo os interesses que estão por
trás do golpe em curso no Brasil. Entre eles, o da mídia, setor
extremamente concentrado no país.
Desde o início do processo de impeachment de Dilma, outros diversos veículos internacionais denunciaram o golpe em curso no Brasil e manifestaram preocupação com a condução do caso por Eduardo Cunha (PMDB).
Ps.: No jornal O Globo, dois textos
desmentem a tese de Marinho de que a Globo não apoia o impeachment. São
os editoriais intitulados “O impeachment é uma saída institucional da
crise” e “Tempo no impeachment corre contra o país”. A cobertura
enviesada do Jornal Nacional, comandado por William Bonner, também é um
elemento que merece destaque.
Abaixo, leia a íntegra do texto que enfureceu a família Marinho:
A história da crise política no Brasil, e a mudança rápida da
perspectiva global em torno dela, começa pela sua mídia nacional. A
imprensa e as emissoras de TV dominantes no país estão nas mãos de um
pequeno grupo de famílias, entre as mais ricas do Brasil, e são
claramente conservadoras. Por décadas, esses meios de comunicação têm
sido usados em favor dos ricos brasileiros, assegurando que a grande
desigualdade social (e a irregularidade política que a causa)
permanecesse a mesma.
Aliás, a maioria dos grandes grupos de mídia atuais – que aparentam
ser respeitáveis para quem é de fora – apoiaram o golpe militar de 1964
que trouxe duas décadas de uma ditadura de direita e enriqueceu ainda
mais as oligarquias do país. Esse evento histórico chave ainda joga uma
sombra sobre a identidade e política do país. Essas corporações –
lideradas pelos múltiplos braços midiáticos das Organizações Globo –
anunciaram o golpe como um ataque nobre à corrupção de um governo
progressista democraticamente eleito. Soa familiar?
Por um ano, esses mesmos grupos midiáticos têm vendido uma narrativa
atraente: uma população insatisfeita, impulsionada pela fúria contra um
governo corrupto, se organiza e demanda a derrubada da primeira
presidente mulher do Brasil, Dilma Rousseff, e do Partido dos
Trabalhadores (PT). O mundo viu inúmeras imagens de grandes multidões
protestando nas ruas, uma visão sempre inspiradora.
Mas o que muitos fora do Brasil não viram foi que a mídia
plutocrática do país gastou meses incitando esses protestos (enquanto
pretendia apenas “cobri-los”). Os manifestantes não representavam nem de
longe a população do Brasil. Ao contrário, eles eram
desproporcionalmente brancos e ricos: as mesmas pessoas que se opuseram
ao PT e seus programas de combate à pobreza por duas décadas.
Aos poucos, o resto do mundo começou a ver além da caricatura simples
e bidimensional criada pela imprensa local, e a reconhecer quem obterá o
poder uma vez que Rousseff seja derrubada. Agora tornou-se claro que a
corrupção não é a razão de todo o esforço para retirar do cargo a
presidente reeleita do Brasil; na verdade, a corrupção é apenas o
pretexto.
O partido de Dilma, de centro-esquerda, conseguiu a presidência pela
primeira vez em 2002, quando seu antecessor, Lula da Silva, obteve uma
vitória espetacular. Graças a sua popularidade e carisma, e reforçada
pela grande expansão econômica do Brasil durante seu mandato na
presidência, o PT ganhou quatro eleições presidenciais seguidas –
incluindo a vitória de Dilma em 2010 e, apenas 18 meses atrás, sua
reeleição com 54 milhões de votos.
A elite do país e seus grupos midiáticos fracassaram, várias vezes,
em seus esforços para derrotar o partido nas urnas. Mas plutocratas não
são conhecidos por aceitarem a derrota de forma gentil, ou por jogarem
de acordo com as regras. O que foram incapazes de conseguir
democraticamente, eles agora estão tentando alcançar de maneira
antidemocrática: agrupando uma mistura bizarra de políticos –
evangélicos extremistas, apoiadores da extrema direita que defendem a
volta do regime militar, figuras dos bastidores sem ideologia alguma –
para simplesmente derrubarem ela do cargo.
Inclusive, aqueles liderando a campanha pelo impeachment dela e os
que estão na linha sucessória do poder – principalmente o inelegível
Presidente da Câmara Eduardo Cunha – estão bem mais envolvidos em
escândalos de corrupção do que ela. Cunha foi pego ano passado com
milhões de dólares de subornos em contas secretas na Suíça, logo depois
de ter mentido ao negar no Congresso que tivesse contas no exterior.
Cunha também aparece no Panamá Papers, com provas de que agiu para
esconder seus milhões ilícitos em paraísos fiscais para não ser
detectado e evitar responsabilidades fiscais.
É impossível marchar de forma convincente atrás de um banner de
“contra a corrupção” e “democracia” quando simultaneamente se trabalha
para instalar no poder algumas das figuras políticas mais corruptas e
antipáticas do país. Palavras não podem descrever o surrealismo de
assistir a votação no Congresso do pedido de impeachment para o Senado,
enquanto um membro evidentemente corrupto após o outro se endereçava a
Cunha, proclamando com uma expressão séria que votavam pela remoção de
Dilma por causa da raiva que sentiam da corrupção.
Como o The Guardian reportou: “Sim, votou Paulo Maluf, que está na
lista vermelha da Interpol por conspiração. Sim, votou Nilton Capixaba,
que é acusado de lavagem de dinheiro. ‘Pelo amor de Deus, sim!’ declarou
Silas Câmara, que está sob investigação por forjar documentos e por
desvio de dinheiro público.”
Mas esses políticos abusaram da situação. Nem os mais poderosos do
Brasil podem convencer o mundo de que o impeachment de Dilma é sobre
combater a corrupção – seu esquema iria dar mais poder a políticos cujos
escândalos próprios destruiriam qualquer carreira em uma democracia
saudável.
Um artigo do New York Times da semana passada reportou que
“60% dos 594 membros do Congresso brasileiro” – aqueles votando para a
cassação de Dilma- “enfrentam sérias acusações como suborno, fraude
eleitoral, desmatamento ilegal, sequestro e homicídio”. Por contraste,
disse o artigo, Rousseff “é uma espécie rara entre as principais figuras
políticas do Brasil: Ela não foi acusada de roubar para si mesma”.
O chocante espetáculo da Câmara dos Deputados televisionado domingo
passado recebeu atenção mundial devido a algumas repulsivas (e
reveladoras) afirmações dos defensores do impeachment. Um deles, o
proeminente congressista de direita Jair Bolsonaro – que muitos esperam
que concorra à presidência e em pesquisas recentes é o candidato líder
entre os brasileiros mais ricos – disse que estava votando em homenagem a
um coronel que violou os direitos humanos durante a ditadura militar e
que foi um dos torturadores responsáveis por Dilma. Seu filho, Eduardo,
orgulhosamente dedicou o voto aos “militares de 64” – aqueles que
lideraram o golpe.
Até agora, os brasileiros têm direcionando sua atenção exclusivamente
para Rousseff, que está profundamente impopular devido à grave recessão
atual do país. Ninguém sabe como os brasileiros, especialmente as
classes mais pobres e trabalhadoras, irão reagir quando virem seu novo
chefe de estado recém-instalado: um vice-presidente pró-negócios, sem
identidade e manchado de corrupção que, segundo as pesquisas mostram, a
maioria dos brasileiros também querem que seja cassado.
O mais instável de tudo é que muitos – incluindo os promotores e
investigadores que tem promovido a varredura da corrupção – temem que o
real plano por trás do impeachment de Rousseff é botar um fim nas
investigações em andamento, assim protegendo a corrupção, invés de
puni-la. Há um risco real de que uma vez que ela seja cassada, a mídia
brasileira não irá mais se focar na corrupção, o interesse público irá
se desmanchar, e as novas facções de Brasília no poder estarão hábeis
para explorar o apoio da maioria do Congresso para paralisar as
investigações e se protegerem.
Por fim, as elites políticas e a mídia do Brasil têm brincado com os
mecanismos da democracia. Isso é um jogo imprevisível e perigoso para se
jogar em qualquer lugar, porém mais ainda em uma democracia tão jovem
com uma história recente de instabilidade política e tirania, e onde
milhões estão furiosos com a crise econômica que enfrentam.
Pragmatismo Político