José Dirceu o único brasileiro alvejado por uma tal teoria do domínio do fato

 
A biografia de José Dirceu será uma coisa extraordinária, até pelas infinitas singularidades. Um homem que passa grande parte de sua vida na prisão por acusações de corrupção sem ser um milionário, sem ter denúncia que alguém saiba descrever, com condenação ao estilo "não tenho provas, mas condeno porque a legislação me permite", o único brasileiro alvejado por uma tal teoria do domínio do fato que nem na Alemanha, terra de origem da tese, tem peso para condenação. Um homem que viveu muitas vidas em uma, cada 5 anos de sua existência tem mais história do que 50 anos ou 100 da vida de um mortal comum, como a maioria de nós. Muitas identidades, muitos amores, muitas paixões, a mais letal delas - a paixão por um ideal - é a que o trouxe de volta e o manteve aqui, quando podia viver em qualquer lugar onde não houvesse a predominância de seres cativos da ignorância que não compreendem a necessidade de revolucionar um país como o Brasil e as consequências do enfrentamento dos poderes estabelecidos.
É pedir muito do brasileiro comum que entenda que suas duas prisões na terra da impunidade é prova cabal de inocência. Sim, seria pedir muito de quem bate panelas e pensa que com isso está atuando politicamente.
Dirceu permanece preso e ocupa seu tempo lendo um livro atrás do outro. Eu gostaria de poder dar nele um bom puxão de orelhas: "Pare já com isso, Dirceu. Não vê que assim abre ainda mais o abismo que o separa de quem o condena, aqueles que mal leram os livros do currículo obrigatório para a conclusão de um curso qualquer?".
Seus pensamentos, suas angústias, o arrastar moroso dos dias e noites atrás das grades serão ainda relatados numa biografia que chegará ainda às nossas mãos. Anseio muito por esse dia. E só o que me preocupa é como justificar nas biografias de cada um de nós o fato de termos assistido de forma passiva e absolutamente inerte a maior vergonha dos tempos atuais (se é que se pode eleger uma nesse cenário político dantesco). Como permitimos que Dirceu atravessasse tantos anos pagando o preço de uma luta que chamamos de nossa?
Torço para que nossos filhos e netos não nos submetam à vergonha de sermos confrontados com essa pergunta quando finalmente a verdade sobre o que vivemos nos dias de hoje chegar pela ação do tempo. Eu não terei resposta. Você terá?


Publicado por Mirian M . Morais